O Programa do Governo do PS, procurando acolher-se à sombra dos relativos avanços alcançados no decurso da última legislatura, a maioria dos quais só possíveis devido à luta reivindicativa dos trabalhadores e da CGTP-IN e às propostas do PCP, BE e Verdes, pretende agora dar resposta a quatro grandes desígnios estratégicos – combater as alterações climáticas, responder ao desafio demográfico, reduzir as desigualdades e construir a sociedade digital.
Para alcançar este objectivo, o Programa recorre a uma amálgama muito diversificada de medidas que, em muitos casos, sob uma aparente veste progressista e de uma suposta preocupação social, escondem concepções políticas, não muito diferentes das prosseguidas por anteriores Governos, que mereceram a contestação da CGTP-IN.
A CGTP-IN considera que o que está em falta neste Programa é o reconhecimento da centralidade do trabalho e da valorização dos trabalhadores como elementos determinantes para combater as desigualdades sociais e a pobreza laboral, promover uma justa distribuição da riqueza e assegurar o desenvolvimento económico e social do país, para a construção de uma sociedade de progresso e justiça social. E este reconhecimento envolve desde logo a vontade política de alterar o atual modelo dominante assente na precariedade e nos baixos salários e na revogação das normas gravosas da legislação laboral, vontade esta que, em nossa opinião, não decorre dos contornos do Programa de Governo apresentado.
Apesar de o Programa reconhecer logo de inicio que “a estabilização interna da economia portuguesa exige (...) politicas laborais que reduzam de forma efectiva o dualismo do mercado de trabalho e promovam a protecção do rendimento dos trabalhadores” (pag. 3), trata-se de uma afirmação que não encontra posteriormente sequência, uma vez que nenhumas medidas se apontam destinadas a romper com o velho modelo de baixos salários, de precariedade laboral e social, de horários de trabalho longos e desregulados e más condições de trabalho, como não é manifesta qualquer intenção de alterar as normas gravosas do Código do Trabalho, em particular no que toca ao princípio do tratamento mais favorável e do regime da caducidade das convenções colectivas.
Por seu lado, no que respeita à segurança social, não encontramos sinais de que se pretenda continuar o processo de reversão das medidas restritivas tomadas nos anos da troika, nomeadamente no que toca ao valor das pensões, que continuam excessivamente baixas para muitos pensionistas, bem como no âmbito das prestações de desemprego, onde muitos desempregados continuam sem acesso a qualquer subsidio. Também não parece haver intenção de cumprir a promessa de diversificação das fontes de financiamento do sistema público de segurança social, continuando a apostar-se no financiamento crescente por via de impostos gerais, de que a CGTP-IN discorda liminarmente. Acrescem ainda algumas propostas no sentido de fomentar o recurso a esquemas complementares de pensões, o que merece igualmente a nossa discordância.
Finalmente, o Programa reconhece a importância que reveste o investimento nos serviços públicos como instrumento para a redução das desigualdades e melhoria das condições de vida, mas depois não reconhece de modo inequívoco a importância fulcral dos trabalhadores da Administração Pública para a qualidade e melhoria dos serviços públicos. No entender da CGTP-IN não haverá serviços públicos de qualidade sem a dignificação dos seus trabalhadores, manifestada na valorização dos seus salários, das suas competências e das suas carreiras.
1º Desafio Estratégico – Alterações Climáticas
A CGTP-IN considera que as alterações climáticas constituem sem duvida um grave problema que tem de ser enfrentado com grande urgência. Para tal é necessário atacar as causas do problema e impedir que, a pretexto da resposta a esta situação, floresça uma nova área de negócio para as multinacionais à custa dos trabalhadores e das populações. É preciso envolver toda a sociedade nestes processos, de defesa do ambiente e mobilizá-la para impedir a mercantilização dos recursos naturais, culturais e paisagísticas naturais. A defesa do ambiente passa, pelo ordenamento do território e pelo desenvolvimento regional dos recursos, criteriosas políticas de investimento público, de conservação da natureza e de combate ao despovoamento e à desertificação.
Uma das propostas incluídas nesta secção do Programa de Governo prevê o encerramento das centrais termoeléctricas do Pego e de Sines, mas não apresenta nenhuma medida para assegurar o emprego dos trabalhadores envolvidos neste processo, assim como os impactos económicos e sociais para as respectivas regiões.
A CGTP-IN considera que são necessárias medidas de protecção, nomeadamente ao nível da qualificação e reconversão profissional, dos trabalhadores que venham a ser eventualmente afetados por medidas de combate às alterações climáticas e de descarbonização da economia.
Por outro lado, não podemos ignorar que, além das questões do emprego, muitos dos processos envolvidos significam custos acrescidos para as pessoas e as famílias e, por isso, a sua implementação terá em alguns casos que ser acompanhada de medidas compensatórias, a fim de não determinar a alteração para pior das condições de vida dos cidadãos.
A CGTP-IN considera que nesta perspetiva o investimento no transporte público é fundamental. A medida de redução do preço dos passes sociais foi muito importante neste aspeto, mas precisa de ser consolidada com novas reduções das tarifas e acompanhada de maior investimento na qualidade e na quantidade de meios de transporte ao dispor dos cidadãos bem como a criação de condições para a sua implementação numa situação de igualdade em todo o país, sob pena de não se obterem os resultados pretendidos.
2º Desafio Estratégico – Demografia
· Natalidade e Conciliação trabalho-família
O Governo assume no seu Programa os graves riscos que a baixa natalidade acarreta para o país e preconiza algumas medidas, que passam essencialmente por politicas públicas. Contudo as soluções que identifica não nos parecem suficientes para alterar significativamente a situação.
Embora reconhecendo a importância de medidas como o desenvolvimento da rede de equipamentos de apoio à infância e a criação do complemento creche, a CGTP-IN entende que as medidas fundamentais para a promoção da natalidade passam pelo combate à precariedade dos vínculos laborais, pela melhoria dos salários, pela adequação dos tempos de trabalho ao exercício das responsabilidades familiares, pelo respeito das normas laborais de protecção dos pais e mães trabalhadores, a garantia das creches gratuitas para todas as crianças até aos 3 anos, a melhoria dos serviços públicos nas áreas sociais, da saúde, dos transportes e da habitação,
· Emprego
O programa de governo identifica de forma geral os problemas da precariedade, da instabilidade que provoca na vida das pessoas, os problemas de conciliação da vida pessoal e familiar com o trabalho, que afectam sobretudo os jovens e os jovens adultos. Não obstante, para a CGTP-IN, o Governo contínua a não dar resposta às causas que estão na origem dos problemas laborais que afectam milhões de trabalhadores.
Não se entende como vem o governo falar da “promoção do diálogo social com vista ao reforço das medidas de combate à precariedade” e aprovou uma lei que promove a extensão de 90 para 180 dias do período experimental para jovens à procura de 1.º emprego e desempregados de longa duração; e o alargamento a todos os sectores e da duração do contrato de trabalho de muito curta duração.
Por outro lado, se o governo refere a necessidade de se promoverem “mecanismos de prevenção dos conflitos laborais” no âmbito da negociação colectiva, não se percebe porque é que, este mesmo governo, na legislatura anterior, perante a oportunidade de revisão do Código do Trabalho, insistiu em manter intocado o regime de sobrevigência e caducidade das convenções colectivas, ainda agravando o problema, ao reconhecer que a extinção de uma associação de empregadores é passível de implicar a caducidade de uma convenção colectiva.
Ao mesmo tempo que no programa o governo diz pretender “melhorar a regulação dos horários na conciliação entre trabalho e vida familiar”, foi este mesmo governo que agravou o regime de banco de horas grupal, ao consagrar legalmente uma nova forma de instituição deste regime através de referendo realizado pela entidade patronal e à margem dos sindicatos e da negociação colectiva.
Este mesmo programa continua a apresentar como formas de conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar, a gestão flexível dos horários, horários reduzidos, concentrados ou teletrabalho, sabendo de antemão que perante o regime em vigor, estes mecanismos são utilizados, não para ajudar o trabalhador a conciliar o trabalho com a sua vida, mas para aprofundar a sua exploração e aumentar o tempo em que está disponível para a entidade patronal.
Mantendo inalteradas as condições de exercício do direito de contratação colectiva, um direito eminentemente sindical como determina a Constituição, este governo, passando por cima da constatação que a contratação colectiva constitui uma das mais importantes linhas de defesa e afirmação de direitos dos trabalhadores, vem agora propor que os trabalhadores com filhos menores de 12 anos, tenham de dar a sua autorização para se lhes aplicarem regimes de adaptabilidade de horários e bancos de horas. Não discordando com o princípio, a CGTP-IN questiona em que medida é que um trabalhador se sente livre, na realidade, para poder fazer uso de tal direito.
Por outro lado, vem falar-se da necessidade de se reforçar a ACT, mas continua a não se apontar para a reposição, na lei, das notificações obrigatórias que as entidades patronais tinham de fazer à ACT até serem revogadas pela coligação PSD-CDS, como continua a não se cumprir o rácio do número de inspectores recomendado pela OIT, para além das debilidades técnicas desta agência a outros níveis.
Regista-se contudo uma reivindicação de longa data da CGTP-IN e que aponta, a aplicar-se, para a interconexão de dados entre a ACT, a Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Faltam a este programa, na nossa opinião, medidas que combatam efectivamente e com profundidade, as causas dos problemas identificados, debruçando-se apenas sobre assuntos acessórios e com eficácia reduzida na resolução dos problemas ou nos casos mais graves e já referidos, prevendo medidas que agravam e aprofundam as causas que à partida são diagnosticadas.
Nesse sentido, a CGTP-IN considera que é fundamental promover as seguintes medidas:
· Combater a precariedade instituindo o princípio de que para uma actividade permanente corresponda um posto de trabalho efectivo;
· Revogar as normas gravosas do Código do Trabalho;
· Repor o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, como mecanismos promotor de uma contratação colectiva promotora de progresso social e de afirmação dos direitos dos trabalhadores;
· Revogar o regime de sobrevigência e caducidade das convenções colectivas, criando condições para um efectivo exercício do direito de contratação colectiva, sem a chantagem constante que recai sobre as organizações sindicais decorrente das ameaças de caducidade dos contratos pelas associações patronais;
· Combater a desregulação dos horários de trabalho e impedir o acesso discricionário actual ao trabalho por turnos, através da extensão dos períodos de funcionamento e autorização de laboração contínua em actividades que não o justifiquem tecnicamente, como condição fundamental para uma efectiva capacidade de conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar;
· Reforçar a ACT e a sua capacidade inspectiva repondo as notificações obrigatórias revogadas no tempo do governo PSD-CDS e promovendo de forma urgente a interconexão das bases de dados da ACT, Segurança Social e Autoridade tributária e Aduaneira;
· Promover o cumprimento do rácio do número de inspectores recomendado pela OIT, bem como a contratação de outros profissionais que possam reforçar a capacidade técnica desta agência;
Um das condições fundamentais para a materialização das medidas anteriores reside na criação de mecanismos que promovam uma efectiva capacidade de exercício dos direitos sindicais.
Regista-se, a este respeito, a intenção de o governo, depois de ser instado pela CGTP-IN, a assegurar a efectivação da liberdade sindical, consagrada na CRP e na lei, a proceder ao aprofundamento das garantias legais de efectividade do exercício dos direitos de acção sindical. Neste sentido, consideramos que o Governo o governo deve dar celeridade a este processo de forma a garantir o pleno cumprimento deste direito constitucional.
Por fim, constatando-se a intenção de o governo em promover e estimular a abertura da representação sindical e nas comissões de trabalhadores de novos grupos de trabalhadores, em particular de trabalhadores independentes, a CGTP-IN tem a dizer que esta é uma falsa questão. A grande questão a colocar tem a ver com facto de se questionar se estes trabalhadores, sujeitos em relações que o governo apelida de “atípicas”, têm, de facto, a liberdade para se associarem a sindicatos, ou se estes não serão vítimas de formulas de contratação, precárias, que visam disfarçar a relação de trabalho que lhes está subjacente.
Uma vez mais, como defende a CGTP-IN e a realidade o demonstra, estas questões não estão dissociadas das condições de trabalho que efectivamente se praticam. Um trabalhador com direitos, com um emprego de qualidade, tem mais probabilidades de participar e exercer os seus direitos associativos, assim o governo promova as condições para tal.
· Políticas activas de emprego
As propostas do Programa do Governo na área das políticas activas de emprego não dão resposta aos principais problemas há muito identificados, pelo que a CGTP-IN considera necessário alterar a sua filosofia de modo a: (i) apoiar apenas as empresas/entidades empregadoras que demonstrem não poder criar postos de trabalho sem ter um apoio; (ii) contribuir para a criação líquida de emprego estável, seguro e com direitos, apenas apoiando contratos de trabalho sem termo[1]; (iii) consagrar na legislação de cada medida de apoio à contratação que o salário pago ao trabalhador tem que respeitar a regulamentação colectiva e as práticas da empresa em matéria salarial, bem como o princípio do salário igual para trabalho igual; (iv) prever mecanismos efectivos que impeçam a rotatividade de trabalhadores (incluindo estagiários) no mesmo posto de trabalho e a acumulação de apoios; (v) consagrar que empresas e outras entidades não podem beneficiar de apoios se tiverem destruído emprego; (vi) financiar as medidas através do Orçamento do Estado e não da segurança social, sem prejuízo do uso de fundos comunitários, o que implica a revogação ou alteração das medidas de isenção ou redução de contribuições para a Segurança Social; (vii) ter um sistema de acompanhamento e fiscalização efectivo da aplicação das medidas por parte do IEFP e da ACT, de modo a impedir que se usem medidas para substituição de verdadeiros postos de trabalho, como é o caso dos Contratos Emprego-Inserção, e a avaliação periódica das mesmas.
· Migrações
Para a CGTP-IN, Portugal precisa de uma política de imigração humanista e integradora, que acolha com dignidade todos os que nos procuram em busca de melhores condições de vida e de trabalho.
Para este efeito, precisamos abandonar a política de imigração restritiva e seletiva, que privilegia a criação de estatutos especiais para categorias escolhidas de imigrantes (trabalhadores altamente qualificados, investigadores, gestores, empreendedores, etc.) e relega os trabalhadores indiferenciados ou menos qualificados (ou seja os imigrantes económicos) para uma imigração temporária de curta ou muito curta duração, que entra e sai conforme as necessidades de alguns setores económicos e as flutuações dos mercados de trabalho, ou que os empurra para situações de irregularidade à falta de soluções que lhes permitam obter títulos de permanência mais duradouros, gerando situações de exploração laboral e dumping social.
No que toca ao reconhecimento e valorização das comunidades portuguesas e, em especial, ao incentivo ao regresso dos nossos emigrantes, a CGTP-IN considera que a mera concessão de apoios ao regresso não é suficiente, sendo sobretudo necessário garantir aos trabalhadores emigrantes que pretendam regressar a Portugal melhores condições de vida e de trabalho que possam competir com as que usufruem nos respetivos países de acolhimento, designadamente oportunidades de emprego estável, seguro e com direitos, salários mais elevados, melhor conciliação da vida familiar e pessoal com a vida profissional e mais fácil acesso a serviços públicos de qualidade, sobretudo de saúde e educação
· Envelhecimento e qualidade de vida
O programa de Governo reconhece que a promoção do envelhecimento activo e o prolongamento da vida de trabalho implica a adopção de múltiplas políticas a vários níveis e de modo transversal na sociedade, a fim de proporcionar aos mais velhos um leque diversificado de oportunidades.
No que toca ao prolongamento da vida ativa, porém, a CGTP-IN considera essencial sublinhar que esta tem que ser sempre uma opção voluntária do trabalhador e que a idade não deve ser pretexto para discriminações nem para oferecer condições de trabalho menos favoráveis, devendo quaisquer medidas neste sentido assentar na valorização da idade e da experiência profissional.
· A sustentabilidade do sistema de segurança social
A CGTP-IN concorda que a situação demográfica coloca grandes desafios ao sistema público de segurança social e à sua sustentabilidade financeira. Esta é uma questão que justifica e exige não só emprego seguro estável e com direitos, como uma outra distribuição da riqueza que, passas necessariamente pelo aumento geral e significativo dos salários.
Para além desta questão central para a sustentabilidade financeira da Segurança Social, consideramos ainda fundamental a diversificação das fontes de financiamento do sistema, traduzida no alargamento da base de incidência das contribuições a outras componentes do valor acrescentado das empresas, num regime de complementaridade relativamente às contribuições baseadas em salários e nunca numa perspetiva de substituição total ou parcial, que poderia conduzir à diluição da relação entre salários, contribuições e prestações atribuídas no âmbito do sistema previdencial.
Discordamos igualmente das propostas que vão no sentido de incentivar os esquemas complementares de pensões, se forem entendidos na perspectiva de substituir as pensões atribuídas pelos sistemas públicos e/ou para colmatar as insuficiências das pensões públicas resultantes de políticas que visam penalizar os trabalhadores beneficiários em função do aumento da sua esperança de vida.
3º Desafio Estratégico – Desigualdades
O Programa de Governo reconhece a existência de profundas desigualdades na sociedade portuguesa, as quais em nosso entender derivam em primeiro lugar de uma injusta distribuição da riqueza e dos rendimentos, da generalização do modelo de precariedade laboral e baixos salários, de uma política de restrição do acesso e do valor das prestações sociais, das grandes dificuldades de acesso a serviços público de qualidade, com especial destaque para a saúde, e de uma política fiscal que tem abandonado progressivamente a sua função de repartição da riqueza e dos rendimentos, para privilegiar os que mais têm.
Neste quadro, o combate às desigualdades passa, em primeiro lugar, pela inversão de todas estas políticas e pela adopção de novas políticas que a todos estes níveis favoreçam uma distribuição mais justa da riqueza e dos rendimentos.
· Combater as desigualdades salariais – política de salários e rendimentos
A política de rendimentos tem várias determinantes. Desde logo os salários e a contratação colectiva, mas também o acesso à habitação em condições compatíveis com os rendimentos, a precariedade de emprego ou, entre outras, a política fiscal. Será pela conjugação de políticas nestes principais domínios que se porá termo ao modelo de baixos salários caracterizado pela impressionante quebra verificada na parte dos salários na distribuição do rendimento nacional na presente década. A parte dos ordenados e salários no PIB quase não recuperou relativamente ao período da troica, mesmo com o aumento do salário mínimo e com um significativo aumento do emprego. Choca constatar que um Programa de Governo onde a redução das desigualdades é apontada como um objectivo estratégico ignore esta tendência e que remeta as desigualdades para a vertente das disparidades salariais.
Os salários são abordados na perspectiva das disparidades excessivas e da erradicação da pobreza o que remete para visões redutoras e assistencialistas da sociedade (veja-se o elucidativo título IV.2: Salários e erradicação da pobreza). Ao invés, os salários constituem um elemento central de uma política de desenvolvimento económico pelas implicações que têm na dinamização da procura interna, na melhoria das condições de vida, no aumento das qualificações e no estancamento da migração de jovens e, em geral, de trabalhadores qualificados – factores que contribuem para realizar o objectivo da redução das desigualdades.
Para isso, é vital ter uma política que melhore a capacidade produtiva, o que exige o aumento da procura interna, por via dos salários e das pensões, e o crescimento do investimento, público e privado. O Programa de Governo aponta para a continuidade do fraco investimento, quando prevê que, invocando a redução da dívida pública, o saldo orçamental se deva manter em cerca de 3% do PIB: o que representa, a preços de 2019, 6,3 mil milhões de euros (MM€), um valor 1,5 vezes superior ao investimento público. Com uma tão brutal hemorragia faltarão recursos para o governo implementar uma politica para o país se desenvolver e romper com o modelo de baixos salários e de emprego precário.
Por outro lado, tem-se alegado o baixo nível de produtividade para justificar os baixos salários, quando a relação é a inversa. A conjugação de uma política orçamental restritiva, seguidista das regras do Pacto de Estabilidade e de Crescimento e do Tratado Orçamental, com a política de baixos salários leva à contração do investimento público e a um padrão de investimento privado orientado para as actividades de baixos salários. Portugal tem uma taxa de intensidade de capital significativamente inferior à média da UE, o que, como reconhece a Comissão Europeia, explica em grande parte a diferença de produtividade entre Portugal e a UE. Mas a Comissão omite a sua responsabilidade directa nesta situação enquanto o governo se propõe, no Programa, continuar a mesma política.
Para aí aponta a política macroeconómica inerente ao Programa e uma política de salários onde a medida-farol é a intenção de se alcançar um acordo de concertação social de médio prazo, o qual tinha já sido anunciada no Programa Eleitoral do PS. A principal diferença é o objectivo de ser alcançado em 2023 o valor de 750€ para o salário mínimo. A CGTP-IN considera este valor insuficiente sem deixar de observar que, ainda assim, não teria sido possível sem o impacto da sua reivindicação de 850€. Por tudo isto a CGTP-IN reafirma a sua disponibilidade para a aplicação dos 850€, a curto prazo.
Para a CGTP-IN a elevação geral dos salários, a actualização salarial na Administração Pública, o aumento do salário mínimo e a reposição do direito de contratação colectiva constituem o núcleo do que importa fazer no domínio dos salários. O Programa introduz ambiguidade quanto à actualização salarial dos trabalhadores da Administração Pública porque, se por um lado afirma que será reposta a actualização salarial, por outro parece quase não deixar margem para essa actualização. A CGTP-IN não aceitará revisões salariais simbólicas só para que se diga que se repõe um princípio quando, para mais, estão em causa actualizações de salários que estão congeladas desde 2009. E estará atenta a manobras de divisão dos trabalhadores em torno das carreiras profissionais.
Por outro lado, o Programa de Governo refere a existência de leques salariais excessivos nas empresas e aponta medidas que incluem fórmulas gastas e ocas da “responsabilidade social das empresas”, a co-gestão em empresas cotadas e grandes empresas, a participação dos trabalhadores no capital das empresas (accionariato) e nos resultados (lucros) e a penalização fiscal e contributiva de empresas com leques salariais excessivos, face a um limiar a definir.
A CGTP-IN discorda desta tentativa de introduzir a participação das comissões de trabalhadores nas questões salariais, uma vez que se trata de matéria por excelência de negociação colectiva, a qual está constitucional e legalmente reservada apenas aos sindicatos. Em nosso entender, esta ideia insere-se numa política de desvalorização do papel dos sindicatos nas empresas que rejeitamos liminarmente.
· Erradicar a pobreza
Os números da pobreza e, em particular da pobreza laboral, continuam excessivamente elevados, como aliás o Programa de Governo não deixa de reconhecer.
O aumento do emprego, a redução do desemprego, a reposição de rendimentos e melhorias nas políticas sociais, particularmente na segurança social, contribuíram indubitavelmente para alguma melhoria nos indicadores de pobreza, privação material e desigualdades, mas é por demais evidente que não são suficientes para resolver os problemas da pobreza e das desigualdades entre a população ativa e em particular da pobreza laboral.
Por outro lado, é sabido que sem as transferências sociais os números da pobreza são ainda mais impressionantes, pelo que é necessário continuar a melhorar o sistema público de segurança social a fim de garantir aos trabalhadores e a todos os cidadãos uma rede de apoio e protecção que diminua o risco de queda na pobreza. Por isso, sem prejuízo das medidas propostas, a CGTP-IN entende que é ainda necessário actualizar as pensões e todas as prestações sociais; alterar a fórmula de cálculo da actualização das pensões e do IAS, de modo a garantir sempre a reposição do poder de compra; alterar o regime das pensões, revogando o factor de sustentabilidade, repondo a idade legal de acesso à pensão nos 65 anos e permitindo que os trabalhadores com pelo menos 40 anos de contribuições possam aceder à pensão sem penalização; melhorar o regime das prestações de desemprego, de modo a garantir o acesso de mais trabalhadores e substituindo o IAS pelo salário mínimo como referência para a fixação dos valores mínimo e máximo da prestação; e alargar a atribuição do abono de família a todas as crianças e jovens.
· Política fiscal
No plano da política fiscal, o Programa do Governo não contempla uma dimensão que para a CGTP-IN é fundamental: taxar os rendimentos do capital para desonerar os do trabalho.
A matriz desenvolvida ao longo do Programa, que servirá de suporte às medidas que ulteriormente vierem a ser implementadas, enunciando alguns princípios há muito reivindicados pela CGTP-IN (como o englobamento obrigatório de todos os rendimentos), continua a desprezar a dimensão de deslocamento da origem da receita fiscal entre o trabalho e o capital. Na verdade, parece continuar a aposta num crescimento da receita oriunda dos impostos indirectos em contrapartida com a tributação “directa”. Acresce que coabitam intenções positivas de alargar o número de escalões do IRS, com a de manter e alargar alguns benefícios fiscais, que o tempo já demonstrou servirem as grandes empresas que acumulam e distribuem milhares de milhões de euros entre os seus accionistas.
Numa altura em que são conhecidos dados sobre os montantes obscenos transferidos para paraísos fiscais, com Portugal a ocupar a terceira posição no total da U.E. nos rendimentos que fogem em percentagem do PIB, a CGTP-IN, considera ser necessária revisão da política fiscal para colocar a pagar aqueles que mais têm, nomeadamente as grandes empresas e os seus detentores, o que, no Programa em apreciação, não surge como caminho a prosseguir.
4º Desafio Estratégico – Sociedade digital
O processo de digitalização e a revolução tecnológica que o corporiza traz consigo um conjunto de importantes desafios a que urge responder. O programa de governo consagra todo um capítulo de suposta resposta e antecipação dessa realidade.
A CGTP-IN não nega as possibilidades decorrentes do desenvolvimento que a denominada “revolução digital” pode significar. Contudo, a grande questão que se coloca actualmente relativamente à digitalização tem a ver com a capacidade, ou incapacidade, de se utilizar todo este processo para melhorar significativamente os níveis e padrões de vida do povo e dos trabalhadores.
Até à data, é inegável, que a denominada “uberização” da economia traz consigo um conjunto de ameaças enormes ao actual edifício de direitos laborais e sociais, não se antevendo de que forma o governo, pelas medidas apontadas, pretende materializar o que determina como sendo a necessidade de “salvaguardar o trabalho digno e a protecção social adequada ao futuro do trabalho”.
Para a CGTP-IN o futuro do trabalho está em aproveitar o desenvolvimento tecnológico para se reforçar a qualidade do emprego e a humanização das condições de trabalho. Sem esse princípio como ponto de partida, o processo de desenvolvimento tecnológica em curso não passará de mais uma estratégia de aprofundamento da exploração e concentração e riqueza.
AR/CGTP-IN
30-10-2019
[1] No imediato, alterar a legislação do Contrato-Emprego na parte relativa à contratação a termo, em conformidade com a revogação da norma do Código de Trabalho que permitia a contratação a termo de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego.