A CGTP-IN reconhece que a segurança social se encontra numa situação financeira difícil. Mas não alimenta o discurso alarmista que vem à baila sempre que se procuram alcançar fins específicos, como a mudança de filosofia do sistema, pondo em causa a sua matriz universalista e de solidariedade entre as gerações, ou a restrição dos direitos dos beneficiários (corte em prestações, aumento da idade de reforma). Será isto que estará na mira do Ministro das Finanças nas declarações que anteontem mesmo proferiu, que de imediato foram secundadas pelas forças que defendem a privatização da segurança social, com destaque para o sector financeiro.


PATRONATO DESVIA MILHÕES DE EUROS À SEGURANÇA SOCIAL COM A SUBDECLARAÇÃO DE SALÁRIOS

 

A quem serve o alarmismo na segurança social?

A CGTP-IN reconhece que a segurança social se encontra numa situação financeira difícil. Mas não alimenta o discurso alarmista que vem sempre à baila sempre que se procuram alcançar fins específicos como a mudança de filosofia do sistema, pondo em causa a sua matriz universalista e de solidariedade entre as gerações, ou a restrição dos direitos dos beneficiários (corte em prestações, aumento da idade de reforma). Será isto que estará na mira do Ministro das Finanças nas declarações que anteontem mesmo proferiu, que de imediato foram secundadas pelas forças que defendem a privatização da segurança social, com destaque para o sector financeiro.

Não o faz porque considera que não há razões objectivas para fundamentar tal alarmismo; porque entende que um sistema baseado em valores de solidariedade e de justiça social constitui um bem civilizacional, sabendo-se que a alternativa seria a criação de sistemas que se traduzem em maiores desigualdades sociais; porque considera irresponsável alimentar um clima de instabilidade social, já que se trate duma matéria altamente sensível.

A CGTP-IN entende que o Governo necessita de ter uma posição clara sobre este assunto. O que se faz hoje é navegar em águas turvas. O Ministro das Finanças explora em termos alarmistas um relatório anexo ao Orçamento de Estado sobre a sustentabilidade da segurança social enquanto o Ministro do Trabalho refere que as razões de preocupação existem se não forem tomadas medidas adequadas. Ou seja, há duas leituras feitas de um mesmo relatório por dois membros do Governo.

 

É preciso fazer com serenidade um diagnóstico preciso da situação e tomar medidas que melhorem a situação financeira.

Quanto ao diagnóstico, é bom realçar que a deterioração nos últimos anos resulta em boa parte do abrandamento económico verificado a partir de 2000: a economia cresce menos, os salários estagnam e o desemprego sobe. A segurança social sofre em cheio este impacto: menor crescimento das receitas de contribuições e disparo na despesa com o subsídio de desemprego (entre 2001 e 2005 as contribuições cresceram a um ritmo médio anual de 4,5% enquanto a despesa com as prestações de desemprego e os apoios ao emprego aumentou de 18% ao ano). E isto num contexto de uma pressão estrutural sobre o sistema devido ao envelhecimento da população, por um lado, e da tendência para as empresas fazerem reestruturações e despedimentos à custa da segurança social, por outro.

Quanto às medidas, a CGTP-IN tem vindo a defender medidas de sustentabilidade económica, financeira e social, como as que defendemos em Conferência de Imprensa em Outubro passado. Defendemos que não é possível melhorar a situação financeira da segurança social sem actuar ao nível das políticas envolventes: da política económica para assegurar o crescimento económico; da melhoria salarial; do crescimento do emprego; da redução da precariedade laboral. Entendemos também que se deve: prosseguir um esforço de diversificação das fontes de financiamento; por termo ao financiamento pela segurança social do custo das reestruturações das empresas, através de esquemas de antecipação da idade legal da reforma por motivo de desemprego; combater a fraude e a evasão contributiva, havendo indicações de um elevado volume de subdeclaração de salários; corrigir quanto a um equilíbrio na repartição do esforço contributivo e vigoram múltiplas taxas contributivas; compensar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social pelas verbas não recebidas nos últimos anos.

De há muito que a CGTP-IN tem dado relevo a este problema porque afecta a sustentabilidade do sistema. Ora a informação estatística – o Instituto de Informática e de Segurança Social publica, desde Dezembro de 2004, estatísticas referentes às remunerações declaradas e às contribuições directamente pagas pelos trabalhadores (ex. independentes) – confirma, a nosso ver, a relevância de tais práticas.

Esta informação permite conhecer o volume de pessoas com contrinuições declaradas ou contribuições pagas. Em 2004 o total de pessoas que procediam a descontos para a segurança social ultrapassava os 4,3 milhões, mais de ¾ dos quais correspondiam a trabalhadores por conta de outrem (TPCO). Os independentes representavam cerca de 10% neste total.

Existe um elevado volume de subdeclaração de salários, que tem efeitos negativos profundos porque retira à segurança social elevadas receitas de contribuições

Pessoas c/ remunerações declaradas ou contribuições pagas (mil)

2004

%

Total

4310,9

100,0

Pessoas c/ remunerações declaradas

3730,6

86,5

sendo: TPCO

3330,9

77,3

Membros dos órgãos estatutários

324,7

7,5

Pessoas c/ contribuições pagas

580,3

13,5

Trabalhador independente

416,3

9,7

Serviço doméstico

155,8

3,6

Seguro social voluntário

8,2

0,2

Fonte: IISS, Estatísticas da Segurança Social

Esta informação permite a comparação entre as remunerações que são declaradas à segurança social e as remunerações ou ganhos (conhecidos através do sistema estatístico, mediante inquéritos ou fontes administrativas). Admitindo que são estes os rendimentos que o trabalhador de facto recebe (ou estão mais próximos disso) poderemos ter uma medida da diferença entre valores declarados e recebidos – se há coincidência ou se a declaração é inferior ao que se recebe (subdeclaração).

A remuneração média mensal de um assalariado era de 594 euros em 2004. Esta remuneração foi obtida admitindo-se 14 meses sujeitos a descontos para a segurança social. Os membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas (administradores, directores, gerentes de sociedades, gestores de empresas públicas, etc.) tinham uma remuneração média de cerca de 700 euros. Trata-se de um valor baixo (inferior a dois salários mínimos nacionais), mesmo se atendermos que a que a base de incidência contributiva é limitada entre 1 e 12 salários mínimos nacionais (DL 327/93 de 25.9).

É de referir que o Instituto de Informática e de Segurança Social aponta para valores superiores a este montante. O valor médio mensal das remunerações declaradas dos trabalhador por conta de outrem é de 711 euros no primeiro semestre de 2005. Mas parece-nos mais adequado trabalhar com valores anuais de forma a ter em conta os subsídios de férias e de Natal.

 

Remunerações declaradas por pessoa

2004

TPCO

Nº (mil)

3330,9

Remun. declaradas (milhão euros)

27696,8

Remun. por trabalhador

Anual (mil euros)

8315,2

Mensal (euros)

593,9

Membros órgãos estatutários

Nº (mil)

324,7

Remun. declaradas (milhão euros)

3150,4

Remun. por trabalhador

Anual (mil euros)

9702,5

Mensal (euros)

693,0

Fonte: Obtido a partir de IISS, Estatísticas da Segurança Social

 

A comparação das remunerações declaradas pelos trabalhador por conta de outrem com os salários de base e os ganhos mostra que há um elevado volume de subdeclaração de salários, como, aliás, se admite no Relatório sobre a sustentabilidade da segurança social anexo ao Orçamento de Estado para 2006. O valor médio dos salários de base excede em 1/3 a remuneração média declarada e o ganho médio mensal em 50%.

Note-se que a remuneração declarada deveria estar próxima do ganho, já que a base de incidência de contribuições para a segurança social é determinada de um modo amplo, nos termos do Decreto Regulamentar nº 12/83 de 12 de Fevereiro. Para além da remuneração de base (prestação pecuniária e prestações em géneros) inclui: as diuturnidades; as comissões, bónus e outras prestações de natureza análoga; prémios (rendimento, assiduidade, etc); subsídios (de férias e de Natal, de condições especiais de trabalho e outros); retribuição de trabalho extraordinário; a retribuição por trabalho em dias de descanso semanal ou em dias feriados; os subsídios de penosidade, perigo ou outras condições especiais de prestação de trabalho; subsídios de compensação por isenção de horário de trabalho; subsídios de alimentação; abono para falhas; etc (artº 2º).

 

Comparação da remuneração declarada com salários (Euros)

2000

2001

2002

2003

2004

Remun. Declaradas

476,1

490,1

508,6

538,6

593,9

Quadros de Pessoal

Salário de base

614,0

687,5

Ganho

731,2

819,7

Inquérito aos Ganhos

Salário de base

645,1

677,3

744,3

763,2

Ganho

729,5

772,5

810,7

879,6

906,4

Fontes: Estatísticas de Segurança social, Quadros de Pessoal e Inq. ganhos

 

Esta mesma comparação permite identificar os sectores onde é maior a diferença o que é objecto de declaração e o que se recebe (quadro anexo). Estes dados são meramente indicativos já que a qualidade de preenchimento da actividade económica não tem níveis de fiabilidade desejáveis, segundo o IISS. A actividade é mesmo desconhecida em mais de 40% dos casos.

Apesar disso, é de salientar que estes dados indiciam um grande desfasamento entre remunerações declaradas e salários em várias actividades. São de destacar aquelas onde haverá conjugação de significativa subdeclaração com elevado emprego: indústria têxtil, podendo estar associado à difusão de prémios (de produção e outros) que não são declarados; a indústria de construção, um sector altamente desregulamentado; comércio, alojamento e reparação; actividades de serviços, com destaque para as actividades imobiliárias e os serviços a empresas e as outras actividades de serviços.

Estes dados levam a pensar que a subdeclaração salarial tem um elevado impacto financeiro. O quadro seguinte mostra o volume anual de remunerações declaradas pelos trabalhadores por conta de outrem (TPCO) em 2004 em três situações: remuneração declarada verificada em 2004 (593,9); uma remuneração declarada idêntica a um salário base de 763,2 euros; uma remuneração declarada idêntica a um ganho de 906,4 euros. Calculam-se em seguida as contribuições que deveriam ser recebidas com base numa taxa de 34,75% (ainda que se saiba que há múltiplas taxas contributivas) e faz-se em seguida a diferença entre o que se recebe e o que se receberia se a remuneração declarada fosse superior. Embora de trate dum simples exercício, com base em hipóteses simplificadas, ainda assim resulta clara a elevada dimensão financeira da presente situação de subdeclaração.

 

O impacto financeiro da subdeclaração de salários é muito elevado

Impacto da subdeclaração salarial (2004)

TPCO (mil)

3330,9

3330,9

3330,9

Remuneração (euros)

593,9

763,2

906,4

Remunerações declaradas (milhão euros)

27694,8

35589,7

42267,4

Contribuições (34,75%) (milhão de euros)

9624,0

12367,4

14687,9

Contribuições (diferença) (milhão de euros)

2743,5

5064,0

Fonte: CGTP-IN

 

A informação estatística sobre as contribuições pagas também indicia "fuga" à segurança social

 

Esta informação indica que um trabalhador independente pagou, em média, 1085 euros de contribuições anuais (em 2004). Os valores são mais baixos no seguro social voluntário e ainda bem mais baixos caso do serviço doméstico.

Poderá perguntar-se qual o rendimento implícito nesta contribuição média, tomando como referência os trabalhadores independentes. Não é possível saber o valor exacto, mas pode ter-se uma ideia aproximada a partir das taxas contributivas. Os independentes têm duas taxas: uma de 25,4%, a que corresponde um esquema obrigatório de prestações e uma de 32% referente ao regime alargado de prestações. A uma taxa média igual ao valor mínimo (25,4%) corresponde um rendimento anual de 4271 euros, ou de 356 euros mensais, supondo 12 rendimentos no ano. Este valor é inferior ao salário mínimo nacional de 2004. No caso de a taxa contributiva média ser superior, este valor é mais baixo. Estes dados indiciam que a grande maioria dos independentes apenas descontará com base em 1 salário mínimo nacional e que o número de pagamentos à segurança social no ano será inferior a 12.

Contribuições pagas por pessoa

2004

Independentes

Nº (mil)

416,3

Contribuições pagas (milhão euros)

451,6

Contribuições por trabalhador

Anual (euros)

1084,7

Serviço doméstico

Nº (mil)

155,8

Contribuições pagas (milhão euros)

61,2

Contribuições por trabalhador

Anual (euros)

392,8

Seguro social voluntário

Nº (mil)

8,2

Contribuições pagas (milhão euros)

7,3

Contribuições por trabalhador

Anual (euros)

889,4

Fonte: Obtido a partir de IISS, Estatísticas da Segurança social

 

É preciso tomar medidas para pôr termo à subdeclaração de salários

A CGTP-IN defende que há que pôr termo a uma situação que tem pesadas consequências no financiamento da segurança social. É preciso tomar medidas urgentes e eficazes. A CGTP-IN defende:

  • A realização de uma campanha nacional de sensibilização para promover a inscrição dos trabalhadores na segurança social de imediato à sua entrada na vida activa envolvendo também a declaração correcta de remunerações;

  • O cruzamento de dados entre a segurança social e o sistema tributário;

  • O reforço das acções de controlo e de fiscalização;

  • O agravamento das sanções aplicáveis por subdeclaração de salários no quadro da revisão do regime de contra-ordenações;

  • A articulação entre a IGT e a segurança social para detectar situações de falso trabalho independente;

  • A publicação de um Código de Contribuições pondo termo a uma situação em que vigoram múltiplas taxas contributivas.

11-01-2006

Euros, valores mensais

Declarado

Sbase

Ganho

Sbase %

Ganho%

TOTAL

509

687

820

35

61

AGRICULTURA…

309

488

555

58

80

PESCA

493

713

827

45

68

I. EXTRACTIVAS

427

658

799

54

87

INDÚSTRIAS TRANSFORMADORAS

I. ALIMENTARES, DAS BEBIDAS E DO TABACO

481

620

737

29

53

I. TEXTIL

326

468

539

44

65

I. DO COURO E DOS PRODUTOS DO COURO

360

472

527

31

46

I. DA MADEIRA E DA CORTIÇA E SUAS OBRAS

405

546

628

35

55

I. PASTA, PAPEL E CARTÃO, EDIÇÃO E IMPRESSÃO

621

836

1014

35

63

FAB. COQUE, PR. PETROLÍFEROS REFINADOS…

1337

-

-

-

-

FAB. DE PRODUTOS QUÍMICOS E DE FIBRAS

946

1153

1300

22

37

FAB. ARTIGOS DE BORRACHA E PLÁSTICOS

525

643

773

22

47

FAB. OUTROS PRODUTOS MINERAIS NÃO METÁLICOS

499

663

806

33

62

I. METALURGICAS BASE E PRODUTOS METÁLICOS

455

613

718

35

58

FAB. DE MÁQUICAS E DE EQUIPAMENTOS, N.E.

586

765

874

31

49

FAB. DE EQUIPAMENTO ELÉCTRICO E ÓPTICA

869

855

986

-2

13

FABRICAÇÃO DE MATERIAL DE TRANSPORTE

674

868

1022

29

52

INDÚSTRIAS TRANSFORMADORAS, N.E.

373

494

558

32

50

ELECTRICIDADE, GÁS E ÁGUA

1164

1199

1705

3

46

CONSTRUÇÃO

340

561

662

65

95

COMÉRCIO…

457

659

760

44

66

ALOJAMENTO E RESTAURAÇÃO

332

494

534

49

61

TRANSPORTES, ARMAZENAGEM E COMUNICAÇÕES

709

814

1208

15

70

ACT. FINANCEIRAS

1206

1193

1708

-1

42

ACT. IMOBILIÁRIAS, ALUGUERES E SERV. EMPRESAS

426

871

1009

104

137

ADMIN. PÚBLICA, DEFESA E SEGURANÇA SOCIAL

469

1056

1233

125

163

EDUCAÇÃO

546

806

876

48

60

SAÚDE E ACÇÃO SOCIAL

436

507

653

16

50

OUTRAS ACTIVIDADES DE SERVIÇOS…

481

811

940

69

95

ORGAN. INTERNACIONAIS…

921

758

899

-18

-2

Fonte: Obtido pela CGTP-IN a partir de dados do IISS e do DGEEP (Quadros de Pessoal)

Nota: As remunerações anuais foram convertidas em mensais supondo 14 meses salariais.

ANEXO

Comparação da remuneração declarada com salários, 2002

Conferência de Imprensa da CGTP-IN - 11.01.06