A fase actual da situação política nacional permitiu reverter ou limitar alguns dos processos de privatização encetados pelo anterior governo PSD/CDS. No entanto, o Sector Empresarial do Estado continua sob forte pressão e algumas das empresas que dele fazem parte mantêm-se na mira da privatização. Estas empresas têm um papel fundamental no desenvolvimento económico e social do país pela sua importância estratégica e pelos serviços públicos que prestarem à população, como é o caso dos transportes públicos, dos correios e das águas.
Contudo, e a pretexto dos défices sucessivos que apresentam, persiste uma ofensiva com vista à sua alienação. Porém, verificamos que os grandes problemas do SEE residem nos elevados custos de endividamento, fruto de dezenas de anos de subfinanciamento por parte do Estado, na não admissão de pessoal que hipoteca a transmissão do conhecimento acumulado e nas cativações a que estas empresas são sujeitas que cerceiam o seu potencial de desenvolvimento. Os atrasos no pagamento das indemnizações compensatórias e o valor insuficiente que as mesmas apresentam arrastam as empresas para o endividamento privado, fazendo com que os juros e encargos com dívida não parem de aumentar.
Ao invés, o longo processo de privatizações levado a cabo por sucessivos governos, e que já alienou, vendeu, destruiu uma larga parte de empresas públicas, tem mostrado como o mesmo é ruinoso para o país e para o povo português, não podendo a descentralização/municipalização ser separada desta dinâmica.
As experiências do BPN, do BES, da CIMPOR, da PT, dos CTT etc., provam que a gestão privada de empresas estratégicas para o desenvolvimento do país não merece qualquer confiança, não respeita quaisquer princípios éticos ou morais, orientando-se pelas regras capitalistas de maximização dos resultados e dos dividendos, em detrimento dos interesses dos trabalhadores, do país e dos portugueses.
É esta gestão privada, tão aplaudida pelos governos do capital, que aprofundam os problemas existentes, criando situações profundamente dramáticas para o crescimento económico e para o desenvolvimento de Portugal, levando os portugueses a ter de suportar, já por várias vezes e através de um enorme aumento de impostos, as consequências da gestão privada danosa ou mesmo criminosa.
A gestão privada da banca, como já ficou claro para todos os portugueses, não dá qualquer garantia que mesmo as poupanças feitas pelos portugueses estejam minimamente seguras.
Já no sector produtivo, as empresas privatizadas e vendidas ao capital estrangeiro viram a sua capacidade reduzida ou completamente desmantelada, destruindo milhares de postos de trabalho, desperdiçando investimento público, conhecimento técnico e experiência acumulada.
No sector da energia, depois de consumada a última fase de privatização da EDP, fica claro o papel do Estado nestes processos, ao assumir os encargos com a “preparação” da empresa para a privatização, ao mesmo tempo que garante ao capital condições de negócio fabulosas que acarretaram o aumento dos preços e proporcionam lucros milionários às poucas empresas que controlam todo o sector.
No sector das infra-estruturas, a venda da ANA à Vinci constitui um grave atentado ao património público, tendo já conduzido a mais aumentos das taxas aeroportuárias, do que em todo o tempo em que a empresa se manteve sob controlo do Estado, além de contribuir para a concentração monopolista do sector à escala europeia. Com a concessão da exploração dos aeroportos por 50 anos, o Governo PSD-CDS entregou aos privados milhões de euros de investimento público e deixou o Estado refém dos interesses de uma multinacional relativamente a decisões a tomar na área aeroportuária de significativa importância para o desenvolvimento económico e social do país.
Nos serviços públicos, as privatizações feitas até agora, nomeadamente nos transportes e nas águas municipais (através de PPP), têm conduzido ao aumento dos preços dos bilhetes, passes e tarifas, e à redução das redes e do próprio serviço: regiões inteiras do interior sem transportes públicos, eliminação e redução de carreiras.
A privatização dos CTT, como a CGTP-IN alertou e combate, traduziu-se na redução do serviço público, sobretudo nas regiões rurais, e novo aumento de preços. A pressão para a privatização da água e do saneamento, cujo primeiro passo foi a privatização da EGF, colocará em causa o acesso e a qualidade do bem às populações do interior do país, região onde a distribuição da água se afigura como menos rentável e onde são necessários maiores investimentos. Também na CGD, o processo de reestruturação em curso, com despedimentos e encerramento de balcões, evidencia uma lógica de gestão privada que afasta o banco público da sua função social junto das populações.
De uma forma geral, o processo de privatizações (ou a reestruturação tendo na mira a privatização) é acompanhada por:
- Ataque aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e uma política de despedimentos;
- Perda de capacidade instalada;
- Alienação de estruturas que incorporavam um elevado investimento público;
- Diminuição da qualidade e da cobertura do serviço prestado;
- Aumento dos preços.
Face à insegurança generalizada criada pela globalização e concentração, a uma concorrência feroz, à desregulamentação crescente que domina o mundo capitalista, à destruição maciça de emprego, ao desemprego, à perpetuação das desigualdades e da pobreza, o Estado, fruto das políticas de sucessivos governos no nosso país, encontra-se bastante fragilizado e submetido ao poder dos grupos económicos e financeiros.
Reverter a realidade actual, e passar para o controlo público as principais empresas e serviços estratégicos, é fundamental para a democracia, e é um imperativo nacional para que o país e os portugueses controlem os instrumentos chave do crescimento económico sustentado, com vista a um desenvolvimento que combata eficazmente as desigualdades e a pobreza, promovendo o bem-estar social e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das populações.
Como parte integrante desse sector público, a CGTP-IN considera essencial:
(I) O sector financeiro, de forma a colocar a política de crédito ao serviço do desenvolvimento nacional, reconsolidar a globalidade do sistema bancário e conter os riscos sistémicos para a economia, assegurar uma efectiva regulação, supervisão e fiscalização da banca e, numa perspectiva mais vasta, a necessidade de travar a especulação financeira e de recentrar o investimento na produção nacional;
(II) Um peso determinante no sector das telecomunicações e a reserva do serviço postal e da empresa que lhe dá corpo – os CTT - ao Estado, dado a importância das comunicações para as populações e para as empresas, e o elevado investimento não só na construção e manutenção das infraestruturas, como na investigação e desenvolvimento tecnológico associado, sem ignorar o papel regulador que o Estado tem junto de outros operadores no sector das telecomunicações;
(III) Um forte sector de transportes e comunicação, que garanta a mobilidade de toda a população a residir em território nacional, quer no interior, quer nas grandes metrópoles, quer da população emigrada e das comunidades de língua portuguesa – nomeadamente através da empresa de aviação com a bandeira nacional e da recuperação da gestão dos aeroportos -, com serviço público de qualidade e a baixo custo; com a ligação marítima com as ilhas, assente numa empresa pública; com o desenvolvimento do transporte ferroviário com a recuperação das linhas encerradas e aberturas de novas linhas tendo em conta o desenvolvimento do país e combate à desertificação do País, dando corpo a um Plano Nacional de Transportes que defina o que compete a cada modo, num quadro de complementaridade e assente em fortes empresas públicas; a implementação de um plano de modernização das frotas (comboios, navios e autocarros) num quadro de desenvolvimento da indústria e da produção nacional.
(IV) A recuperação do sector energético, de forma a desenvolver uma política energética que reduza os custos com o gás, a electricidade e os combustíveis para as famílias e para as MPME, reduza a dependência ao exterior, que garanta os necessários investimentos públicos com vista à melhoria dos serviços, gerindo as tarifas e as receitas com vista aos melhores interesses do povo e do país;
(V) O reforço e recuperação das indústrias de defesa, como parte fundamental da soberania e defesa nacionais;
(VI) A reversão do sector da água, saneamento e tratamento de resíduos para a esfera pública, revertendo as concessões existentes e garantindo o acesso universal à água, a qualidade dos serviços de saneamento e tratamento e valorização dos resíduos, e o investimento necessário ao alcance das soluções que promovam o desenvolvimento sustentável e amigo do meio-ambiente;
(VII) O retorno à esfera pública das indústrias siderúrgica, de química de base, cimenteira, reparação naval, de construção de material circulante, entre outros, com vista ao crescimento do sector produtivo, da substituição de importações e aumento das exportações, ao aumento do emprego qualificado e com direitos, e como suporte a todos os outros sectores.
Em defesa dos serviços públicos, do SEE e das populações, a CGTP-IN propõe:
- A melhoria quantitativa e qualitativa dos serviços públicos prestados pelas empresas onde o Estado detém mecanismos para condicionar para dar resposta às necessidades da população e ao desenvolvimento do país;
- O reforço da presença do Estado nas empresas em que, não detendo os mecanismos para condicionar o seu destino e rumo, são essenciais à economia, para a produção de bens públicos e para a promoção da coesão social, territorial e o desenvolvimento do país;
- A suspensão imediata dos processos de descentralização/municipalização em curso;
- O respeito, por parte do Estado, dos direitos dos trabalhadores do SEE, cumprindo o estipulado nos IRCT e promovendo a melhoria das condições de trabalho e de vida.
Os actos eleitorais que se vão realizar em 2019 para o Parlamento Europeu, para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira e para a Assembleia da República, são uma oportunidade para os trabalhadores e as populações usarem o voto como forma de luta para defender o SEE, motor de um Portugal desenvolvido e soberano e, em particular, para impedir a formação de maiorias absolutas, que sempre se converteram em poder absoluto contra os seus direitos e interesses.
Resolução do Encontro sobre o Sector Empresarial do Estado
Lisboa, 17 de Janeiro de 2019