PROJECTO DE DECRETO-LEI QUE PROCEDE À TRANSMISSÃO PARA O ESTADO DAS RESPONSABILIDADES COM PENSÕES PREVISTAS NO REGIME DA SEGURANÇA SOCIAL SUBSTITUTIVO CONSTANTE DE INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO VIGENTE NO SECTOR BANCÁRIO
Comunicado de Imprensa n.º 067/11
POSIÇÃO DA CGTP-IN SOBRE
PROJECTO DE DECRETO-LEI QUE PROCEDE À TRANSMISSÃO PARA O ESTADO DAS RESPONSABILIDADES COM PENSÕES PREVISTAS NO REGIME DA SEGURANÇA SOCIAL SUBSTITUTIVO CONSTANTE DE INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO VIGENTE NO SECTOR BANCÁRIO
Junto enviamos a posição da CGTP-IN enviada ao Governo sobre projecto decreto-lei que define as condições de transferência para o âmbito da Segurança Social dos reformados e pensionistas que em 31 de Dezembro de 2011 se encontram no regime de segurança social substitutivo do sector bancário.
“O Projecto em apreciação procede à transferência para o âmbito da Segurança Social dos reformados e pensionistas que, em 31 de Dezembro de 2011, se encontram abrangidos pelo regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vigente no sector bancário, e regula as condições desta transferência.
A CGTP-IN manifesta a sua profunda preocupação por esta transferência que, nos termos previsto no presente Projecto, envolve riscos sérios, quer para os reformados e pensionistas abrangidos, quer para o Estado (contribuintes) e para o sistema público de segurança social (e respectivos beneficiários e contribuintes), que deviam ser devidamente acautelados, nomeadamente porque, apesar do que tem sido publicamente afirmado, não há qualquer transferência de verbas para a segurança social, sendo os valores em causa transferidos directamente para o Estado, para cobrir sim uma parte do deficit orçamental, por imposição externa da Troika.
Em primeiro lugar, é necessário salientar que o actual regime de protecção social dos reformados e pensionistas do sector bancário é um regime convencional, estabelecido em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho livremente negociados entre as partes patronal e sindical.
Assim sendo, à luz do direito de contratação colectiva consagrado na nossa Lei Fundamental, não se afigura legítimo que o Governo venha alterar, por lei, este regime de natureza convencional, sem que as partes celebrantes dos instrumentos de negociação colectiva que o estabeleceram tenham previamente negociado e acordado entre si as alterações ao regime e as condições da transferência.
Aliás, é curioso verificar que, no preâmbulo deste Projecto, apenas se faz referência ao «processo de audição desenvolvido entre o Governo, a Associação Portuguesa de Bancos e as instituições de crédito», sem qualquer menção das associações sindicais signatárias dos instrumentos de regulamentação colectiva que são alterados.
No que toca à transferência propriamente dita e aos respectivos termos, a primeira preocupação tem a ver com o facto de, segundo o disposto nos artigos 1º, nº1, alínea a), 3º, nº 1 e 7º), a segurança social assumir legalmente a responsabilidade com as pensões previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vigente no sector bancário, mas sem que a esta transferência de responsabilidade corresponda uma directa transferência dos activos que compõem os actuais Fundos de Pensões e deveriam assegurar a cobertura de tais responsabilidades.
A titularidade dos activos dos fundos de pensões é, nos termos deste Projecto (artigos 1º, nº1, alínea b), 5º e 6º), directamente transmitida para o Estado, a quem caberá depois, nos termos do disposto nos artigos 3º, nºs 4 e 5 e 8º, nº 4, transferir, sob a forma de dotação específica, para a Segurança Social, de forma casuística (mensalmente? Anualmente?) os montantes correspondentes às pensões devidas.
Neste sentido, e precisamente porque este Projecto prevê expressamente que o Estado proceda a esta transferência para a segurança social, a qual depois se limita a assegurar o pagamento das pensões da forma protocolada com as instituições de crédito (que serão as pagadoras directas), tem sido afirmado pelo Governo que, neste processo, a segurança social é apenas uma prestadora de serviços ou uma mera intermediária.
Na realidade, se tudo correr na forma prevista e o Estado proceder sempre, de forma atempada, à transferência da totalidade dos montantes necessários para pagar as pensões em causa, a Segurança Social terá de facto apenas este papel.
Porém, como do ponto de vista legal e de acordo com o estabelecido em várias disposições deste Projecto, é a Segurança Social – e não o Estado enquanto pessoa jurídica – que assume a responsabilidade pelas pensões, no limite, se um dia não existirem fundos suficientes para cobrir estas responsabilidades e o Estado não proceder à dita transferência, a responsável legal e última, a quem justamente os reformados lesados poderão pedir contas, será a segurança social ou, melhor dizendo, o sistema público de segurança social.
Assim, se de facto o papel destinado às instituições da segurança social neste processo de transmissão é o de meras intermediárias ou prestadoras de um serviço, então a sua função deve ficar plenamente reflectida neste Projecto, enquanto diploma regulador desta matéria. Por outro lado, o Projecto deve prever expressamente que é o Estado, ou outra entidade jurídica designada para receber e gerir em nome do Estado os activos que garantem as pensões, que assume a responsabilidade com as pensões previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vigente no sector bancário, acautelando assim os riscos que esta operação poderá no futuro envolver para a segurança social, riscos que consideramos substancialmente agravados pela intenção, publicamente anunciada pela Primeiro-Ministro, de utilizar parte deste montante (cerca de três mil milhões) para pagar dívidas à própria Banca.
Uma segunda área de preocupação prende-se com o eventual cálculo incorrecto das responsabilidades da banca relativamente às pensões abrangidas, o que daria origem a um valor insuficiente dos activos transferidos para cobrir os encargos com as pensões.
Este cálculo incorrecto pode resultar quer dos pressupostos actuariais utilizados, quer da entidade ou entidades que procedem ao cálculo.
Os dois pressupostos mais importantes para o cálculo são a Tábua de mortalidade utilizada e a taxa de desconto usada para actualizar as responsabilidades. Ora, quer as Tábuas de mortalidade quer a taxa de desconto referidas neste Projecto (artigo 6º, nº1) suscitam sérias dúvidas quanto a serem as mais adequadas à população abrangida. Assim, em relação à Tábua de mortalidade referida para os homens, que constituem a esmagadora maioria dos reformados da banca, é sabido que esta tábua – a TV 73-77 – está desajustada à população portuguesa, devido ao aumento significativo da esperança de vida aos 65 anos verificado ultimamente, e embora essa tábua seja ajustada (TV 73-77 -1), nada indica que seja a mais adequada aos reformados da banca e, por isso, corre-se o sério risco de o cálculo das responsabilidades ser feito com base numa esperança de vida aos 65 anos efectivamente inferior ao desta população especifica. Se isso acontecer os valores dos activos determinados, que têm como base as responsabilidades calculadas, serão insuficientes para pagar a totalidade das pensões aos reformados da banca enquanto viverem. Uma forma de reduzir esse risco, não previsto no projecto de decreto-lei, seria a tábua de mortalidade ser corrigida com base na mortalidade real verificada nesta população específica nos últimos 5-10 anos. Relativamente à taxa de desconto referida no projecto – 4% –, que está associada à taxa de rentabilidade dos activos ela parece desajustada – demasiado elevada – quer porque se refere a um período futuro de tempo curto – o de vida desta população – por isso é incorrecto pensar no longo prazo, quer porque se está num período de grave crise económica e financeira, em que o próprio governo prevê uma recessão económica prolongada seguida de um crescimento económico anémico (vejam-se as suas previsões até 2050 constantes do Relatório de Sustentabilidade da Segurança Social em anexo ao Relatório do OE-2012). Há que ter em conta que, em 2010, a taxa de rentabilidade dos activos da maioria dos fundos da banca foi inferior a 2%. Se a taxa de desconto estiver de facto desajustada (demasiado elevada), como nos parece, as responsabilidades serão subestimadas, e os valores dos activos serão insuficientes para pagar a totalidade das pensões aos bancários reformados, mas para a Banca será um bom negócio.
Por outro lado, no que respeita às entidades responsáveis pelo cálculo, o governo começa por entregar a responsabilidade do cálculo provisório às próprias instituições de crédito (alínea a) do nº2 do artigo 6º), abdicando de qualquer intervenção, e depois entrega-a a duas comissões ditas independentes, uma delas escolhida também pela banca (alínea b) dos nºs 2 e 3 do artigo 6º). A principal parte interessada, que são os reformados da banca, é totalmente marginalizada.
Quando a responsabilidade era da banca, a eventual insuficiência dos activos era obrigatoriamente compensada com contribuições complementares dos bancos, mas o projecto não prevê nenhum mecanismo para resolver uma insuficiência do valor dos activos transferidos que, a nosso ver, certamente acontecerá.
O terceiro risco que nos preocupa é aquele que decorre da composição dos activos transferidos e ainda da possibilidade de serem desviados para outros fins ficando as pensões sem qualquer garantia real, sendo que as disposições do Projecto nesta matéria levantam muitas dúvidas, quer pela omissão, quer pela falta de transparência. Assim, em termos de composição dos activos, segundo o nº4 do artigo 6º, estes “podem ser constituídos por numerário e títulos de divida pública”, o que significa que não é obrigatório que assim seja, abrindo a porta ao recebimento de outros activos de maior risco, quando é sabido que os próprios títulos de divida publica envolvem riscos que não existiam no passado. Para além disso, e para agravar a falta de transparência, e contrariamente ao que aconteceu com os fundos de pensões da PT e da Marconi, nada se diz quanto à entidade concreta do Estado que receberá os activos, que entidade ficará responsável pela sua gestão e rentabilidade, e se os activos transferidos constituirão ou não um fundo autónomo. O Projecto apenas dispõe que “a titularidade dos activos dos fundos de pensões é transferida para o Estado” (nº1 do artigo 5º); que “as operações de transferência dos activos do fundos de pensões são coordenadas pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público” (nº 7 do artigo 6º), mas não diz nada sobre quem receberá e ficará responsável por esses activos, abrindo assim a porta a que possam ser desviados para outros fins. E mesmo que o ministro das Finanças diga o contrário, a verdade é que nada neste Projecto obriga a isso, contrariamente ao que dispõe a lei que transferiu o fundo de pensões da PT, o que significa uma total dependência do arbítrio do Governo.
Finalmente, não podemos deixar de referir que, nos termos do artigo 9º, a banca poderá recuperar cerca de um quarto do financiamento complementar que será obrigado a fazer e que se prevê (o financiamento) que se aproxime dos 4.000 milhões de euros.
Em conclusão:
A CGTP-IN repudia veementemente este processo de transferência das responsabilidades com pensões previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vigente no sector bancário, considerando que se trata de um processo sem qualquer transparência e que muitas das disposições do Projecto que o regula se caracterizam pela opacidade e ambiguidade, não permitindo determinar exactamente o quanto e o quê está a ser transferido, para quem está a ser transferido e a quem cabe a responsabilidade de gerir o que está a ser transferido e quem assume efectivamente a responsabilidade em caso de falta ou insuficiência de recursos para satisfazer os encargos com as pensões.
Perante esta indefinição e falta de transparência, a CGTP-IN considera existir um grave risco de que a segurança social venha, mais tarde ou mais cedo, a ser onerada com encargos que não lhe pertencem e cuja cobertura não foi devidamente assegurada, em prejuízo da sustentabilidade do sistema e dos interesses dos seus beneficiários e contribuintes.
Por outro lado, a falta de participação dos principais interessados – os reformados da banca – e o desrespeito pelas normas que regulam a negociação colectiva e, por essa via, pelos instrumentos de regulamentação colectiva em vigor, são outros tantos factores que nos levam a manifestar a nossa discordância face a todo este processo.
Finalmente, a falta de transparência na forma como esta transferência será feita, associada à ausência de constituição de um fundo autónomo impede que, no futuro, possa ser feita uma avaliação de quanto este “negócio”, indubitavelmente favorável para a Banca, custou aos contribuintes, nomeadamente a dimensão do financiamento por parte do Orçamento do Estado por insuficiência dos activos transferidos.”
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 30.12.2011