O Joaquim Almeida, que para os trabalhadores e o movimento sindical é o Quim Almeida, deixou, na altura própria, os cargos sindicais que exerceu até 2011, de dirigente sindical dos metalúrgicos, de coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro e membro da Comissão Executiva da CGTP-IN, mas não deixou a militância sindical e política, continuou-a de outra forma.
O Quim Almeida não se limita a alinhar factos e lutas ou a descrevê-los. Com a sua experiência e sensibilidade de militante político e sindical, analisa e interpreta factos e comportamentos num encadeamento que nos dá a conhecer em frases simples e claras, em que não faltam o estilo e a ironia acutilantes que lhe são próprios, a natureza opressiva do fascismo, a turbulência da Revolução e da Contra-revolução no período de 1974/75 e a luta subsequente contra a recuperação capitalista.
No filme que passa sob os nossos olhos ao lermos o livro, podemos ver, de forma documentada, como era a subserviência, a “bajulice” e o papel de traição à classe dos homens de mão do patronato e do fascismo nos sindicatos corporativos, e sujo o trabalho dos “bufos” da PIDE. Vemos como a actividade dos homens da direcção corporativa se limitava a despachar ofícios, a atribuir alguns subsídios sem critérios, a enviar telegramas, saudações ou votos de louvor às figuras cimeiras do fascismo, de que são exemplos a atribuição de sócio honorário número um do sindicato a Salazar e, depois da sua morte, o pagamento de missas pela sua alma, excursões a Fátima para assinalar o aniversário do estatuto corporativo, o pagamento de despesas de recepção a Américo Tomás aquando da sua passagem, a expulsão de associados que se recusaram a contribuir com um dia de salário para com as vítimas do “terrorismo” em Angola.
E pior que tudo isto, a denúncia dos trabalhadores que iam pedir ajuda ao sindicato aos seus patrões. Um retrato cruel mas verdadeiro.
Podemos ver também, a partir de 1969/70, período da fundação da Intersindical, depois de conquistadas pelos trabalhadores as direcções dos sindicatos do Porto, Braga e Lisboa, e do controlo da Federação Nacional dos Metalúrgicos por estes, como uma Comissão dos Metalúrgicos da Aveiro ancorada na Federação, à margem e contra a direcção fascista do sindicato, se ligou aos trabalhadores e dinamizou grandes assembleias-gerais com centenas de presenças, uma delas com mais de dois mil participantes, para a discussão do contrato colectivo de trabalho, forçando a própria direcção fascista a simular arremedos de defesa dos interesses da classe.
Todavia, é naquilo que nos conta das lutas ocorridas no seu sindicato a partir do dia 30 de Abril de 1974, quando em assembleia espontânea é expulsa a direcção fascista e eleita uma Comissão Directiva Provisória, posteriormente ratificada em assembleia-geral, que o Quim Almeida dá um contributo original na sua especificidade e de grande valor para a história do movimento sindical português.
Num distrito de domínio avassalador das forças conservadoras e obscurantistas, tem foros de heroicidade o enfrentamento da parte mais esclarecida do operariado com o patronato pela conquista e defesa de direitos, e, dentro do sindicato, com as forças políticas que, nem sempre em sintonia com os interesses dos trabalhadores, se batiam pelo seu controlo.
Nas lutas do Sindicato dos Metalúrgicos de Aveiro encontram-se todos os ingredientes de conflito e de participação democrática dos trabalhadores na vida das suas organizações de classe. As grandes assembleias e o seu funcionamento, por vezes tumultuoso mas participativo, criativo e democrático, os golpes e contragolpes para determinar o seu rumo, os referendos silenciosos e mais manipuláveis por forças e factores externos aos trabalhadores promovidos pelo divisionismo para as substituir e revogar as suas deliberações.
Pode-se dizer sem exagero que com o conhecimento que nos é dado pelo Quim Almeida da acção do seu sindicato, entre os anos de 1970 e 1980, temos em nossa posse uma amostra completa das grandezas e misérias de tudo o que se passou de relevante no movimento sindical português no período mais pujante e profícuo da sua história. A luta de massas de antes da Revolução em torno do contrato colectivo e a conclusão da sua negociação e assinatura consagrando direitos e salários inimagináveis dias antes, pouco depois do 25 de Abril de 1974. Em seguida, a luta pela aplicação do contrato, o apoio ao MFA e a defesa e aprofundamento da Revolução. A luta contra a sabotagem económica em grandes empresas, em que se destacam a Toyota e a Oliva e Rabor (ITT). As manifestações reaccionárias, ditas de apoio à Igreja Católica, o assalto e destruição a sedes do PCP, de sindicatos e da união dos sindicatos. E após o 25 de Novembro de 1975, a entrega das empresas aos anteriores proprietários, e de novo os despedimentos e o seu encerramento no âmbito do desmantelamento do aparelho produtivo português através das políticas antipatrióticas dos sucessivos governos.
É de antologia o relato das lutas em torno das eleições sindicais e sobre o papel, comportamentos e métodos utilizados pelo divisionismo. Nas eleições de 1975, após a aprovação de estatutos conforme a lei sindical, e consagrando a filiação na Intersindical, a lista afecta à Central, embora por margem mínima, perde as eleições, e os metalúrgicos de Aveiro vêm a ser o maior sindicato operário a subscrever a Carta Aberta, movimento com vista à criação da UGT. Um ano depois, no grande movimento de democracia sindical e de luta pela unidade sindical que foi o Congresso de Todos os Sindicatos (o segundo da Intersindical), os metalúrgicos de Aveiro, numa assembleia-geral com mais de oitocentos associados presentes, aprovaram por unanimidade e aclamação a desvinculação da Carta Aberta, e apenas com uma abstenção a participação do seu sindicato no congresso da unidade.
Ao contar-nos a história do seu sindicato, o Quim Almeida conta-nos também em síntese o que foi a história do movimento sindical do período que trata no seu livro.
Américo Nunes
P.S.: a aquisição do livro poderá ser efectuada na CGTP-IN (contactos: