A responsabilização dos actos de assédio moral não é, nem deve constituir uma possibilidade meramente teórica. Para além dos instrumentos que a legislação laboral já confere, também o direito criminal prevê, hoje em dia, essa possibilidade. A apresentação de queixa crime pela prática de assédio moral constitui um direito previsto no Código penal Português e ao dispor de qualquer trabalhador ou trabalhadora.
A criminalização do assédio moral em contexto laboral é hoje possível por via da aplicação da Lei n.º 83/2015. Contudo, tal criminalização não é dirigida em especial ao assédio moral em contexto laboral. Trata-se de uma criminalização de carácter genérico, a todos os comportamentos e contextos susceptíveis de se subsumirem à previsão normativa em análise.
É no n.º 1 do artigo 154.º-A do Código Penal Português, aditado pela lei referida anteriormente, que está tipificado o crime de “Perseguição”, o qual, nos termos gerais pode integrar condutas comummente designadas como pertencendo ao quadro comportamental do “assédio moral”.
Atentemos na letra da lei:
“(...)1- Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. (...)”
Tendo em conta a letra da lei, podemos desagregar a conduta tipificada da seguinte forma, e como contendo os seguintes elementos bem como a respectiva aplicação à conduta que conhecemos como “assédio moral no trabalho”:
a) Quem, de modo reiterado
O legislador na tipificação vem designar como elemento estruturante do crime, o facto de o agente (um colega, uma chefia, um director...) praticar o acto de forma repetida, reincidente, continuada...
b) Perseguir ou assediar outra pessoa
Neste caso, podemos estar a falar de alguém “persegue” no sentido de cercear a liberdade do trabalhador, imiscuindo-se na sua privacidade e na sua intimidade, ou limitando o acesso à mesma, podemos incluir a conduta pela qual alguém persegue, segue, vigia, no sentido de provocar medo ou temor no trabalhador, podemos incluir a conduta pela qual alguém acossa, amedronta, ameaça, desestabiliza, discrimina ou injuria.
c) qualquer meio, direta ou indiretamente
Não interessa a forma como o faz. Interessa, antes, de o meio é apto a produzir o resultado, ou seja, a perseguição e o assédio. Podem ser meios electrónicos, pessoais, pelo próprio agente, ou por interposta pessoa, verbal ou fisicamente, por escrito...
Aqui podemos incluir muitas condutas conhecidas, como a injuria, o isolamento em salas vazias, a retirada de meios de trabalho, a não convocatória para reuniões em equipa, o afastamento da formação profissional, o rebaixamento em relação e em frente a outros colegas...
d) de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação
Na continuação, portanto, seja qual for o meio, o acto ou o agente, o fundamental é que esses elementos seja “adequados” à produção do resultado previsto na lei. Neste caso, o resultado é o “medo”, a “inquietação” ou a limitação da “liberdade de determinação”, que consiste na capacidade e susceptibilidade que cada um de nós tem de fazer valer as suas opiniões, princípios ou valores.
De acordo com o “Guia de Acção Sindical – da prevenção ao combate do assédio no trabalho”, podemos definir assédio moral como: um comportamento indesejado (gesto, palavra, atitude) praticado com algum grau de reiteração e tendo como objectivo ou efeito afectar a dignidade do trabalhador ou trabalhadora ou criar um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Como podemos constatar, esta simples definição contém em si, todos os elementos que integram a tipificação de crime prevista no artigo 154.º-A do Código Penal Português:
Grau de reiteração (carácter reiterado);Com o objectivo de intimidar (provocar medo), desestabilizar (inquietar) ou humilhar (prejudicar a liberdade de determinação);Comportamento indesejado através de gesto, palavra ou atitude (por qualquer meio).
Ora, não restando dúvidas do enquadramento deste comportamento ou conduta no tipo criminal em análise, devemos ainda acrescentar as seguintes ideias:
A pena de prisão pode ir, pelo menos, até 3 anos de prisão efectiva ou multa;A tentativa é punível;Podem ser aplicadas sanções acessórias de impedimento de contacto com a vítima, ou frequência de programas específicos de prevenção deste tipo de condutas;A pena acessória de impedimento de contacto deve implicar o afastamento do local de trabalho da vítima;
Mas a moldura criminal não acaba aqui. Pode ser agravada no casos em que o crime se revista de especial censurabilidade, como disposto no artigo 132.º, n.º 2 al. f) do Código Penal Português, por remissão do artigo 155.º n.º 1 al. e), aditado pela Lei 83/2015.
Neste caso, quando o crime de assédio moral tenha sido “determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima”, a pena de prisão sobe para 1 a 5 anos.
A mesma pena é aplicada se, por força da ameaça, da coacção ou da perseguição, a vitima cometa suicídio ou tente suicidar-se (n.º 2 do artigo 155.º).
Em conclusão:
Se o crime de assédio moral for praticado por motivações discriminatórias ou dele resultar o suicídio ou a tentativa de suicídio da vítima, a moldura pena é agravada.
Para além desta responsabilidade criminal, como acontece na generalidade dos casos, a vitima pode também recorrer ao pedido de indemnização, no âmbito do processo crime.
E o que fazer?
Bem, não se tratando de crime público, o assédio moral só pode originar processo crime quando haja uma queixa.
Neste caso, as vitimas só têm de se dirigir ao seu sindicato, à esquadra de polícia mais próxima e proceder à apresentação de queixa-crime contra o assediador.
Eis mais um importante instrumento no combate ao assédio e violência moral nos locais de trabalho, com vista à defesa de um dos mais elementares direitos humanos, o direito à dignidade.
Por Hugo Dionísio
Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho da CGTP-IN