Só com as melhores condições de trabalho teremos as melhores condições de segurança pública. A exigência de condições adequadas de segurança e saúde nas actividades de segurança, protecção e socorro, não deve ser, apenas, uma reivindicação destes trabalhadores, mas sim, de todos os Portugueses!
E esta é uma das principais solidariedades que poderemos demonstrar a quem dá muito de si para nos proteger a todos!
De toda a profusão de notícias, artigos de opinião, reportagens, crónicas e entrevistas a que temos assistido, na comunicação social, sobre a tragédia de Pedrógão Grande, há um tema sobre o qual o silencia chega a ser ensurdecedor, pelo significado que encerra em si mesmo – as condições de segurança e saúde no trabalho dos bombeiros, serviços de socorro, polícias...
É certo que a função de todas estas classes profissionais é, precisamente, tratar da protecção da segurança de todos nós. Tal não significa que, para o fazerem, não tenham esses profissionais de contar com as suas próprias condições de SST.
Não podemos negar que, em função das especificidades próprias da actividade policial, são afastadas, em certa medida, determinadas disposições legais em matéria de SST, como o prevê a própria Directiva Quadro 89/391/CEE, directiva comunitária que enquadra a legislação nacional em matéria de SST. A este propósito, a Directiva Quadro prevê a sua não aplicação “sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras actividades específicas dos serviços de protecção civil”.
Contudo, também é a própria directiva quadro que refere a necessidade de se “zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objectivos da presente directiva”.
Ou seja, a Directiva não afasta completamente o Regime da Segurança e Saúde no Trabalho no que concerne às actividades polícias, da protecção civil ou outras do tipo. Antes, exige uma adequação do mesmo, tendo em conta a natureza específica de cada uma destas actividades. Nem poderia ser de outra forma! A não aplicação, pura e dura, de medidas de segurança e saúde no trabalho nestas actividades, importa uma atitude discriminatória inaceitável numa sociedade democrática e, principalmente, em actividades física e intelectualmente tão exigentes como as que estão em causa. Aliás, a adequação do regime jurídico da SST a este tipo de actividades só pode significar que, se nalguns casos o regime, por imperativos próprios relacionados com a natureza da actividade, o mesmo se torna inaplicável, tal não significa que, noutras áreas da SST, as medidas previstas na lei não devam de ser, pelo contrário, reforçadas, por exemplo:
- A importância do reforço do planeamento detalhado da actuação em caso de perigo grave e eminente e o consequente treino intenso e intensivo das situações;
- A importância do reforço da adequação, funcionalidade e operacionalidade dos equipamentos de protecção, individuais e colectivos, uma vez que a aplicação é colocada à prova de forma muito mais efectiva;
- A importância do reforço do trabalho psicológico, físico e social destes trabalhadores, de forma a reforçar a capacidade de atenção, concentração, trabalho em equipa, comportamento de segurança, entre outros;
- A importância do reforço do apoio psicológico, médico, social nas situações pós intervenção, visando a plena recuperação dos trabalhadores;
- A importância do reforço da informação, da participação, da consulta e da formação, como pilares chave da motivação para a prevenção e para a identificação com o sistema de segurança imposto.
E o que sucede na prática? Contarão os profissionais da emergência, da segurança e do socorro, com a atenção e a protecção que o risco que assumem, no interesse colectivo, faria supor?
A verdade é que, em geral, tal não parece suceder. Por exemplo, não se conhece nenhum regime de SST aplicável aos Bombeiros, voluntários ou profissionais, aos Polícias e serviços de segurança ou ao INEM. Só para referir estes.
A verdade é que, para além do controlo do individuo, numa lógica de aferição e avaliação da sua capacidade para a actividade que exerce, muito pouco é feito em matéria puramente preventiva, ou seja, de forma a pensar a manutenção da segurança e saúde destes trabalhadores como um valor em si mesmo e como uma garantia que a sociedade tem de que, aqueles trabalhadores contam com as condições adequadas ao desempenho de funções tão exigentes.
Assim, a negação de verdadeiros serviços de SST aplicáveis às actividades já enumeradas faz incorrer os seus responsáveis – e neste caso há que apontar o dedo aos sucessivos governos – em violações tão graves como:
1. A violação do Principio da Igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa – ou seja, porque razão, a estes trabalhadores é dado um tratamento diferente daquele que é garantido a todos os outros trabalhadores, sempre que tal tratamento não coloque em causa a prestação do seu trabalho?
2. A violação dos Direitos dos Trabalhadores previstos no artigo 59.º/1 da Constituição da Republica Portuguesa – ou seja, a Constituição não prevê qualquer derrogação nesta matéria, porque razão não deveria este artigo abranger o trabalhador destas organizações?
É, contudo, nesta situação que nos encontramos. De facto, a realidade é que, tal como sucede um pouco por toda a Administração Pública, também nas esquadras de polícia, nos quartéis de bombeiros, no INEM, encontramos múltiplas violações dos direitos dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de Segurança e Saúde.
Esta situação é, já de si, suficientemente grave, quando abordada numa perspectiva geral. Mas quando adicionamos os riscos próprios de uma actividade tão exigente como a actividade policial, devemos questionar-nos se a forma como estão garantidas, na prática, as condições de trabalho destes trabalhadores, são aptas a garantir, por sua vez, que estas pessoas estejam na melhor da sua condição física, psíquica ou social para poderem proteger o cidadão comum de todas as ameaças que incidem sobre a sua segurança e saúde.
A maior garantia de protecção da nossa segurança pública começa por assegurar que estes profissionais contam com a protecção da sua segurança e saúde!
Não tenhamos dúvidas. A obrigatoriedade de garantir condições de segurança e saúde no trabalho encontra a sua natureza profunda no facto de “o trabalho” ser prestado por “um ser humano”. Nesse sentido, toda a lógica de implementação de medidas de segurança e saúde no trabalho encontra fundamento, entre outros, nos seguintes factores:
1. É fundamental garantir que os efeitos materiais do trabalho (factores de insegurança, equipamentos de trabalho, processos de trabalho, etc.) não comportam efeito nocivo para o trabalhador;
2. É fundamental garantir que o ambiente e espaço de trabalho assegura as condições de habitabilidade necessárias à integração de “um ser humano” com todas as exigências decorrentes da necessidade de assegurar a protecção da sua dignidade humana;
3. É fundamental garantir que o trabalhador se encontra na plenitude da sua capacidade física, mental e social (a tripla acepção do conceito de saúde da OMS), de forma a poder corresponder de forma adequada às solicitações próprias da actividade profissional que desenvolve.
Os desafios que se colocam, actualmente, às actividades de segurança, protecção, socorro, com a integração de novas valências e novas funções, exigidas pelos condicionalismos actuais da (in)segurança global , como o combate ao terrorismo, ao crime organizado, aos incêndios e aos efeitos climáticos, etc., exigem respostas cada vez mais eficazes no que respeita à garantia de que os trabalhadores destas áreas usufruem das melhores condições possíveis.
Só com as melhores condições de trabalho teremos as melhores condições de segurança pública. A exigência de condições adequadas de segurança e saúde nas actividades de segurança, protecção e socorro, não deve ser, apenas, uma reivindicação destes trabalhadores, mas sim, de todos os Portugueses!
E esta é uma das principais solidariedades que lhe poderemos demonstrar!
Por Hugo Dionísio
Departamento de SST da CGTP-IN