Normalmente, os técnicos de segurança e saúde no trabalho, ao serviço das empresas, deixam de parte aspectos como o tempo de trabalho e o vínculo laboral, aquando da concepção da análise de riscos profissionais. Por se tratarem de factores de risco de natureza indirecta, estes, não surgem nas análises, tornando-as incompletas, imprecisas e mais importante, insuficientes para protegerem a saúde e a segurança de quem trabalha. Com as sucessivas alterações à legislação laboral, esta situação tem-se vindo a agravar.
O retrato do trabalho pode muito bem ser o retrato da sociedade. Se quisermos avaliar o estado de desenvolvimento social de uma determinada sociedade, bem poderíamos fazê-lo utilizando o mundo do trabalho como termo de avaliação. Por exemplo, actualmente em Portugal, constatamos inequivocamente, as intenções de promoção do retrocesso social, cultural, económico e politico que o governo PPD/CDS quer impor. E o trabalho, neste caso, funciona como um óptimo barómetro do retrocesso em causa, até porque tem sido um dos sectores da nossa sociedade que mais tem sofrido com a ofensiva do governo.
Por imperativos ideológicos, impostas pelas organizações comunitárias e internacionais em que Portugal está integrado, o trabalho foi eleito como um dos alvos a atingir fortemente pela política liberal do governo. A desregulamentação, a flexibilização, o enfraquecimento da ACT, foram apenas alguns dos meios utilizados. A verdade, contudo, é que, desvalorizando-se o trabalho, desvalorizam-se os trabalhadores.
Para além da contratação colectiva de trabalho e dos despedimentos, houve duas reformas, nas quais o governo se empenhou bastante em atingir:
• A organização do tempo de trabalho
• A precariedade dos vínculos laborais
Qualquer um destes aspectos, relacionados com a integração sócio laboral dos trabalhadores e trabalhadoras, tem enorme relevância em matéria de SST, embora, a maioria dos sistemas de avaliação de riscos profissionais, adoptadas nas empresas, lhes passem completamente ao lado.
Qual a relação da SST com o tempo de trabalho?
Então, basicamente, quando cruzamos tempo de trabalho com risco profissional, surgem duas variáveis que oscilam em função da duração do tempo de trabalho:
- Probabilidade de ocorrência de um sinistro laboral
Quanto mais tempo estivermos sujeitos ao factor de risco, maior a probabilidade de ocorrência de um acidente ou doença se verifica.
Exemplo: Um trabalhador que se encontre num local com ruído, se em vez de 8 horas ficar 10 ou 12, aumentará o grau de exposição em mais 25% ou 50%, respectivamente.
- Gravidade da lesão ou dano decorrente do sinistro laboral
Quanto mais tempo estivermos sujeitos a um determinado factor nocivo, maior será o dano potencial, se este efeito nocivo estiver sempre presente.
Se adicionarmos ao elemento – tempo de exposição – o factor desgaste, significa que, quanto mais tempo ficarmos num determinado local, o grau de exposição aumenta exponencialmente em função do desgaste provocado pelo tempo de permanência. A resistência do corpo humano no início de um dia não se mantém igual ao longo de todo o turno, vai descendo. Nesse caso, a gravidade da "potencial" da lesão ou dano corporal, vai subindo à medida que se passa mais tempo no local.
Ora, se considerarmos que, elementos como: o descanso compensatório; número de dias de férias; tempo de trabalho máximo sem intervalos; modalidades de flexibilização do horário de trabalho; rapidamente chegaremos à conclusão que, ainda por cima, as alterações legislativas, em muito agravaram esse desgaste.
Mais tempo, menos saúde e segurança
A comprovar o potencial impacto negativo destas e outras alterações sobre a SST, vem, por exemplo, o 5.º Inquérito Europeu às Condições de Vida e de Trabalho do EUROFOUND mostra os seguintes dados:
Questão: Sente-se afectado na sua Segurança e Saúde no Trabalho?
Afectação da Saúde e Segurança no Trabalho
Horários com mais de 48 horas/semana 37%
Horários com menos do que 48 horas/semana 22%
Fonte: EUROFOUND 5.º IECT/2010
Estes dados demonstram, inequivocamente, que os trabalhadores percebem que, quanto mais tempo trabalham, maiores os problemas relativos à sua SST. Em horários com mais de 48 horas semanais, 37% trabalhadores inquiridos referem ter a saúde e segurança afectadas.
Turnos e ritmo elevado = problemas se segurança e saúde
Por outro lado, vejamos o que responderam os trabalhadores inquiridos, quando relacionamos o trabalho por turnos com o ritmo de trabalho.
Impacto e efeitos dos horários atípicos
Condicionantes Com turnos (%) Sem Turnos (%)
O trabalho afecta a saúde de forma negativa 33 23
Trabalho a ritmo elevado pelo menos em metade do tempo 55 44
Fonte: EUROFOUND 5.ºIECT/2010
A inclusão do ritmo de trabalho neste quadro não é ingénua. É que, sem qualquer dúvida, os ritmos de trabalho têm aumentado bastante, como o comprova o mesmo estudo (os trabalhadores da zona Euro, que diziam estar sujeitos a prazos apertados, em 2000 eram 58%, e em 2010 eram de 63%). Contudo, perante condições mais desgastantes relativas à organização do tempo de trabalho, como o é o trabalho por turnos, a percepção dos trabalhadores também muda. Ou seja, sentem muito mais a sobrecarga provocada pelo trabalho, mesmo que o ritmo com turnos ou sem turnos seja parecido.
A Precariedade, a instabilidade laboral e a desregulamentação
Os ataques aos direitos dos trabalhadores, com efeitos profundos na Segurança e Saúde no Trabalho, tiveram outro tipo de amplitude que não apenas a do tempo de trabalho, com a tentativa da generalização do incumprimento. A saber, a alteração imposta pelas, alterações à legislação laboral efectuadas, vêm colocar em cima da mesa os seguintes problemas:
- Aumento das situações de precariedade laboral, individual e colectiva
- Aumento do sentimento de insegurança laboral, face à abertura do espaço para o despedimento individual por iniciativa da entidade patronal
- Ataque à contratação colectiva de trabalho, agravando a situação de desregulação e incumprimento referida no ponto anterior
Ora, a precariedade laboral é, actualmente considerada como um dos factores indirectos de risco profissional, mais importantes. São inúmeros os estudos que comprovam os seguintes factos:
- O trabalhador com vínculo precário está mais exposto a riscos psicossociais
- O trabalhador com vínculo precário não usufrui, em regra, do mesmo nível de protecção na SST que outro trabalhador permanente
- O trabalhador com vínculo precário não tem possibilidade de accionar uma correcta reparação de acidente ou doença profissional
- O trabalhador com vínculo precário não tem acesso ao mesmo conhecimento, formação e experiência profissional, o que potencia a sua exposição ao risco
Estes factos resultam, obviamente, de um menor investimento das empresas nestes trabalhadores, visto que são usados como mão-de-obra descartável. Por outro lado, sabemos que a precariedade incide sobre as franjas mais desfavorecidas da população, agravando muito a sua situação social.
Pode constatar-se que, no que respeita às alterações à legislação laboral, os sucessivos governos de direita elegeram a precariedade laboral e os vínculos que lhe estão subjacentes como a principal resposta ao desemprego, com resultados desastrosos.
Ficam alguns exemplos de medidas que os trabalhadores europeus, inquiridos no âmbito do 5.º Inquérito Europeu sobre Condições de vida e de Trabalho, apontaram como positivas ao nível da conciliação trabalho/vida pessoal:
Factores que representam uma influência positiva no equilíbrio entre o /trabalho, vida pessoal e familiar:
- O número de filhos
- Ser casado sem filhos
- Trabalhar menos do que 34 horas semanais
- Capacidade de se controlar o tempo de trabalho
- Flexibilidade no tempo de trabalho (para o Trabalhador)
- Trabalhar o mesmo número de horas todos os dias
- Possuir um horário fixo
- Possibilidade de sair do trabalho para tratar de assuntos pessoais
Fonte: EUROFOUND 5.º IECT/2010