Uma das discussões que se tem desenvolvido nos últimos tempos, a propósito da problemática da reparação dos sinistros laborais, tem sido a da possibilidade da reparação de acidentes ou doenças, resultantes do trabalho, de foro psíquico ou psicossocial. Que caminhos possíveis para a valorização do trabalhador como um ser humano completo, que em caso de sinistro laboral perde muito mais do que a mera capacidade de ganho?
Efectivamente, não existe tradição na jurisprudência portuguesa no que respeita à reparação de danos psicossociais no âmbito do processo especial de reparação de acidente de trabalho ou doença profissional.
Ora, a importância deste facto para a prevenção dos riscos psicossociais é fundamental. Se o dano é causado ao trabalhador ou trabalhadora, como sucede nos casos de “mobbing”, “bullying”, por nós referidos como “assédio moral”, que provocam situações de depressão crónica, tendência para o suicídio ou stresse laboral crónico e, na sequência do mesmo, não resulta nenhuma daí qualquer responsabilidade de reparação tipificada, para a entidade patronal... Todos conhecemos (e reconhecemos) o ambiente de impunidade que desse facto tem resultado.
Esta incapacidade de fazer reparar a doença psicossocial como resultante de um acidente de trabalho (quando está em causa um dano causado por facto súbito e espontâneo), ou como resultante de uma afectação da saúde, resultante da actividade profissional (neste caso por exposição prolongada a factor de risco ligado ao trabalho), coloca-nos uma questão: então o nosso estado de saúde mental não conta para efeitos de reparação dos danos provocados em resultado do trabalho?
Até aqui não tem contado grande coisa. Nem quando se trata da reparação de um dano fisiológico, são admitidos pedidos de reparação que contemplem danos não patrimoniais. Tal só é possível nos termos do regime de responsabilidade civil previsto no código civil, ou então, provando-se a culpa da entidade patronal no acidente ou doença.
Tal sucede porque, em Portugal considera-se acidente o facto súbito, fortuito e instantâneo que ocorre no tempo e no local de trabalho e nesse sentido, arguir que um dano psicossocial decorre de um facto deste tipo, é muito difícil, até em teoria. Também não tem sido fazê-lo, no âmbito das doenças profissionais, porque na lista de doenças profissionais não encontramos qualquer caso tipificado de doença psicossocial. Esta situação, torna a reparação muito difícil, uma vez que não constando a doença psicossocial da lista de doenças profissionais, cabe ao trabalhador provar a sua existência e a sua relação com o trabalho, ou seja, com a actividade profissional que desenvolve. O que é, reconheça-se, muito difícil.
Contudo, tal não significa, a nosso ver, que a reparação não seja possível. Por exemplo, o acórdão JTRP00041167 do Tribunal Relação do Porto, sendo desfavorável à pretensão de se considerar o “mobbing” como “acidente de trabalho ou doença profissional”, aponta, no entanto, algumas pistas para a resolução de um problema deste tipo.
No texto do próprio acórdão podemos encontrar a seguinte ideia: “...não está demonstrado o nexo causal entre ele (o mobbing) e a doença (depressão), nem entre a doença e a incapacidade...”. E acrescenta: “...o evento terá de constituir um facto naturalístico ligado às condições de trabalho, seja do equipamento ou falta dele, à forma de prestação do trabalho...”.
É aqui que consideramos apresentar-se algumas pistas importantes para a construção de uma estratégia de prova que possa levar, pela primeira vez, nos nossos tribunais de trabalho, à reparação de uma doença de foro psicossocial, a saber:
Será necessário provar a relação entre o factor de risco e o trabalho ou a forma como ele é prestado, alegando e comprovando a ligação entre o factor de risco e a forma como o trabalho está organizado, distribuído, executado, etc.; Será necessário provar o nexo causal entre o factor de risco (assédio moral, ritmo de trabalho excessivo, trabalho coturno...) e a doença psicossocial contraída, ou seja, de que uma resulta da outra e que, não fora a exposição aquele factor de risco, o trabalhador ou trabalhadora não estariam doentes;Será necessário provar que aquele factor de risco é causa adequada à produção da incapacidade reportada (causalidade adequada).
Concluindo, o que se trata aqui é de estabelecer uma estratégia de prova adequada, embora, recorde-se, que esta possibilidade choca com a cultura vigente na nossa jurisprudência, uma vez que esta centra-se demasiado no factor material que causa o dano e não tanto no dano provocado ao trabalhador. Assiste-se, portanto, a uma desvalorização do trabalhador enquanto ser humano e só tal desvalorização justifica que, regularmente, os valores indemnizatórios sejam mais elevados no direito civil do que no direito laboral. No primeiro caso pagam-se todos os danos provocados à pessoa, no segundo, pagam-se os danos provocados à capacidade de trabalhar.
A este respeito, vem a lei Italiana apontar uma solução possível para esta situação. Na Itália também existe uma lista de doenças profissionais e um conceito infortunístico de acidente, contudo, o âmbito do dano foi alargado a outro tipo de situações não contempladas na tipificação do conceito de acidente ou doença. Assim, no Decreto Legislativo n.º 38 de 2000, artigo 13.º, estabelece-se como dano biológico o seguinte:
“Em atenção à definição do carácter geral do dano biológico e do critério para a determinação do respectivo ressarcimento, o presente artigo define para efeitos de acidente e doença profissional, o dano biológico como a lesão para a integridade psicofisica susceptível de valoração médico-legal da pessoa”.(tradução livre do redator)
Ou seja, desde que seja possível provar a ligação ao trabalho e o dano seja classificável e valorável do ponto de vista médico-legal (que incapacidade para o trabalho resulta do mesmo?), qualquer dano, físico ou psicológico, entra nas contas da reparação. Ou seja, com esta definição, a legislação Italiana coloca a tónica no dano provocado ao trabalho dor, em vez de a colocar no elemento material que o causou.
É este, na nossa opinião, um dos caminhos necessário a seguir em qualquer alteração à lei da reparação, uma vez que uma norma deste tipo não deixaria de possuir uma importante influência na atenção que as entidades patronais passariam a dar a todos os ricos profissionais e não apenas a alguns.
por Hugo Dionísio
CGTP-IN 2016