O Tribunal do Trabalho do Porto acaba de proferir uma sentença histórica, em que recusa a aplicação de uma norma da Lei do Orçamento do Estado para 2012, que determina a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de natal aos trabalhadores da Administração pública e do sector empresarial do Estado, considerando que tal disposição viola quer direitos fundamentais consagrados na Constituição da República, quer previstos em instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, nomeadamente a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Carta Social Europeia, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e várias convenções da OIT.
O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 353/2012, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral desta mesma norma da Lei do OE para 2012, por violação do artigo 13º da Constituição, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, mas determinou que os seus efeitos só se produziam a partir de 2013, o que significa que os trabalhadores abrangidos nunca foram ressarcidos da perda dos subsídios no ano de 2012.
Posteriormente, a Lei do Orçamento do Estado para 2013 veio a prever a reposição do pagamento do subsidio de Natal mas manteve a suspensão do pagamento do subsidio de férias aos trabalhadores da administração pública e do sector empresarial do Estado, o que veio a ser considerado inconstitucional pelo Acórdão nº 187/2013, mais uma vez por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.
Aparentemente, estaria assim resolvida a querela constitucional em torno da suspensão dos subsídios de férias e de Natal devidos aos trabalhadores públicos, mas na realidade resta ainda resolver a questão da restituição dos referidos subsídios não pagos no ano de 2012, que resultou da decisão de limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida.
É esta a questão tratada na presente sentença.
Esta sentença do Tribunal de Trabalho do Porto discorda da tolerância manifestada pelo Tribunal Constitucional relativamente à suspensão do pagamento dos subsídios no ano de 2012, que o Tribunal considerou inconstitucional mas permitiu que continuasse a vigorar na ordem jurídica em prejuízo dos direitos dos trabalhadores. Por outro lado, considera que a questão não se esgota apenas na violação do princípio da igualdade.
A redução salarial dos trabalhadores da administração pública e do sector empresarial do Estado, porque constitui uma medida de redução orçamental escolhida pelo Governo para cumprir e aplicar o direito da União Europeia e as obrigações assumidas no âmbito do programa de assistência financeira, estava sujeita à conformação com os princípios fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o princípio da igualdade, a proibição de discriminação, o direito a condições de trabalho dignas, que têm na sua base o valor fundamental do respeito pela dignidade humana, e o direito de negociação colectiva.
Simultaneamente, esta redução remuneratória viola também a Constituição da República, ofendendo direitos e princípios fundamentais, como sejam o princípio da igualdade e da proibição da discriminação em razão do vínculo laboral, o princípio da dignidade humana na medida em que viola a garantia de uma existência condigna através da retribuição, e ainda o princípio da autonomia colectiva consagrado no artigo 56º da Constituição, uma vez que anula os resultados da negociação colectiva previstos nos instrumentos de regulamentação colectiva, afectando o núcleo essencial do direito.