O projecto de Decreto-Lei em apreciação visa estabelecer as regras gerais de aplicação dos programas operacionais e dos programas de desenvolvimento rural financiados pelos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI): Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, Fundo Social Europeu, Fundo de Coesão, Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, para o período de programação 2014-2020.
Aspectos Gerais
Em primeiro lugar não podemos deixar de assinalar a nossa incompreensão e discordância pelo facto deste projecto ser objecto de consulta aos parceiros sociais e o modelo de governação ter sido foi publicado[1] sem qualquer discussão ou consulta prévia, tanto mais importante quando os parceiros sociais deverão fazer parte desse modelo, designadamente nas comissões de acompanhamento.
Em segundo lugar, verificamos que os FEEI estão excessivamente dirigidos à promoção das exportações, como é indicado na prioridade "promoção da competitividade e internacionalização da economia" referida no preâmbulo, quando deviam, em nossa opinião, servir para a promoção dos bens e serviços transaccionáveis, o que permitiria não apenas fomentar as exportações, mas também o potencial produtivo nacional e substituir importações, o que é vital para o desenvolvimento harmonioso do país. Recordamos também a subordinação dos FEEI a objectivos que nada têm a ver com a redução das assimetrias regionais e da coesão económica e social, nomeadamente os relativos à implementação global da Estratégia Europa 2020 e às exigências do processo de consolidação orçamental (Tratado Orçamental e PEC).
Em princípio, as ideias contidas nos princípios orientadores estabelecidos representam uma evolução face ao regime actual. O facto de centralizar o apoio técnico num só portal (Balcão Portugal 2020), o princípio da desmaterialização da informação, a centralização da informação dos beneficiários evitando redundâncias na informação a fornecer, parecem-nos medidas susceptíveis de melhorar e desburocratizar o acesso aos fundos comunitários. Todavia, há que acautelar eventuais "apagões" do sistema de modo a não dificultar ou pôr em causa a utilização do mesmo pelos diferentes intervenientes, sejam eles beneficiários, autoridades de gestão ou público em geral.
Algumas questões emergem aquando da análise de alguns dos princípios enunciados. A afirmação do princípio da confiança, por exemplo, terá de ser acompanhada de um sistema de auditoria e acompanhamento dos projectos que, para além da transparência, seja gerido de acordo com critérios sólidos e coerentes, que combata e previna possíveis situações de fraude. O simples facto de se aumentarem as contra-ordenações e penalizações por incumprimento, como se sabe, não constitui motivo dissuasor suficiente, por si só, do potencial incumprimento. Há necessidade de trabalhar ao nível dos mecanismos preventivos e de acompanhamento, que garantam uma conformidade real entre a informação prestada e a prática.
Consideramos que o projecto dá muita ênfase à simplificação, o que era necessário face à burocracia normalmente associada aos fundos, mas a transparência e acompanhamento por parte de toda a sociedade, e dos trabalhadores em particular, está um pouco esquecida neste documento. Recordamos que a CGTP-IN tem vindo a chamar à atenção para a necessidade de assegurar a participação dos trabalhadores das empresas apoiadas na elaboração e na avaliação da execução dos projetos apresentando propostas com esse objectivo.
Na consagração do princípio da concorrência é importante definir critérios de aferição do mérito das candidaturas que limitem a possibilidade de uma avaliação excessivamente subjectiva das propostas de candidatura. Para além dos critérios qualitativos, é importante que se estabeleçam, igualmente, critérios objectivos, susceptíveis de revelarem, quando confrontados com os anteriores, o potencial mérito das candidaturas em análise.
No entanto, a determinação de critérios quantitativos não poderá funcionar como barreira "artificial" à aprovação de candidaturas. Daí que o envolvimento dos parceiros sociais, em sede das comissões de acompanhamento de todos os programas operacionais e do Conselho Consultivo da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, constitua uma condição determinante e um importante instrumento à disposição para o estabelecimento de critérios sólidos e realistas.
Apreciação na especialidade
Artigo 3.º – Definições
Na nossa opinião há que definir com mais cuidado o que são indicadores de realização da operação, pois não nos parece que a definição prevista ("parâmetros utilizados para medir os produtos materiais gerados") seja adequada para avaliar acções de formação ou criação de postos de trabalho, para apenas citar dois exemplos.
Consideramos também que se deve definir o que significa "mérito absoluto" e "mérito relativo".
Artigo 6.º – Princípio geral de orientação para resultados
O nº 1 deste artigo levanta o problema da "prioridade de investimento". As questões que se podem colocar a partir deste critério são diversas: quem fixa a prioridade; qual o enquadramento temporal e espacial de cada prioridade; qual a intervenção dos parceiros sociais na definição das prioridades, o que no nosso entender deve estar previsto.
As prioridades devem também reflectir de alguma forma objectivos concretos, como o VAB da operação e a criação de emprego líquido, entre outros. Estes factores devem ser objectivos e factores de avaliação do mérito das candidaturas apresentadas.
Relativamente ao nº3, uma vez que o grau de incumprimento dos resultados alcançados releva no montante a pagar em sede de saldo final (isto é, no financiamento a atribuir ao projecto), para que se garanta transparência entre operadores e estabilidade na actividade a desenvolver, os beneficiários, desde a fase de candidatura, deverão conhecer, objectivamente, quais as consequências financeiras desta avaliação.
Quanto ao impacto do grau de incumprimento na avaliação de candidaturas subsequentes, em nossa opinião, a lei deverá salvaguardar, explicitamente, o facto da responsabilidade poder não ser imputável à entidade beneficiária.
Ao alargar os resultados anteriores a candidaturas de outras tipologias e fundos, há o risco de se excluírem beneficiários com bons/excelentes resultados em determinadas tipologias, por outros, com menos mérito, nessas mesmas tipologias. Caso se opte por esta metodologia na definição dos factores de ponderação, o histórico da entidade, nomeadamente em quadros comunitários anteriores, deverá ser tido em consideração.
Artigo 7.º – Formas dos apoios
Nº 6 - apesar de se pretender a simplificação de procedimentos e não ser objecto deste diploma a definição da forma de avaliar estes orçamentos, corre-se o risco, caso não se definam regras claras e objectivas, de criar uma margem para a aprovação de orçamentos inflacionados, obtendo a entidade beneficiária, por esta via, financiamentos mais elevados do que os gastos que efectivamente irá assumir. Se se verificar esta situação, existe um financiamento indirecto, mas legal, desta entidade para fins alheios aos FEEI.
Artigo 9.º – Durabilidade das operações
Relativamente ao nº 1 (deslocalização do investimento para fora da área geográfica da operação) não estamos de acordo com a consideração de um período menor para as PME (três anos face a cinco anos para a generalidade dos casos), pois não vemos que razão específica possam ter relacionada com a sua dimensão que as distinga das demais. Por outro lado, tendo em conta que o tecido empresarial português é esmagadoramente constituído por empresas com menos de 250 trabalhadores (um dos critérios europeus para uma empresa ser considerada como PME), a maioria das empresas seria incluída nesta excepção.
Acresce que mesmo os cinco anos previstos para a generalidade dos casos nos parecem ser uma duração excessivamente curta, tendo em conta, nomeadamente, a duração do quadro comunitário de apoio (7 anos).
Quanto ao n.º4, mais uma vez se coloca o problema da dimensão. Se a beneficiária for uma PME, já não terá de devolver a totalidade dos fundos, no caso de deslocalização. Discordamos. No nosso entender o prazo de dez anos previsto no regulamento da União Europeia deve ser aplicável qualquer que seja a dimensão da empresa.
O âmbito desta deslocalização também não devia fazer distinção entre o território da UE e fora da UE. Assim ficariam assegurados que a deslocalização entre o período definido no nº1 e o presente número só poderia ocorrer dentro do território do estado-membro onde se realizou a operação, para evitar a concorrência na obtenção de fundos do FEEI entre Estados-membros.
Igualmente importante é a consulta prévia às organizações representativas dos trabalhadores de cada entidade sobre os projectos a submeter, bem como informação sobre as candidaturas aprovadas.
Artigo 12.º – Critério de elegibilidade dos beneficiários
No nosso entender a redacção da alínea d) deve ser alterada. Embora percebamos a intenção subjacente à redacção do projecto, o facto é que nenhuma entidade aumentará a sua capacidade de operação antes de saber se candidatura é ou não aprovada. Parece-nos mais correcto que se exija que assegurem possuir os meios (técnicos, físicos e financeiros) e os recursos humanos depois da aprovação e até ao início da operação.
Artigo 13.º – Impedimentos e condicionamentos
A CGTP-IN considera que os impedimentos previstos no nº 4 são insuficientes. Devem ser impedidas de se candidatar as entidades com salários em atraso ou às quais tenha sido aplicada sanção por contra-ordenação grave ou muito grave por violação da legislação do trabalho e discriminação no trabalho e no emprego. No nosso entender, as violações à legislação no trabalho a considerar não se devem restringir às propostas do projecto.
Do mesmo modo, defendemos que os beneficiários não possam candidatar-se se tiverem despedimentos colectivos nos dois anos anteriores à candidatura. Esta medida evita que os FEEI possam ser utilizados para apoiar reestruturações internas das entidades em causa, assim como incentiva o cumprimento dos direitos dos trabalhadores.
Artigo 14.º - Elegibilidade das despesas
A CGTP-IN alerta para eventuais conflitos que podem advir da aplicação da excepção ao critério da elegibilidade territorial prevista no nº 3, pois os actores locais de uma determinada região podem discordar da alocação dos fundos a uma outra região, mesmo que se justifique que os beneficiários estão na primeira.
No nº 12, propomos a eliminação da referência ao IVA em regime pro-rata ou, em alternativa, acrescentar o IVA recuperável no regime pro-rata.
Artigo 16.º – Análise e selecção das candidaturas
Sem prejuízo da regulamentação específica de cada PO ou operação, a CGTP-IN defende que há critérios de selecção fundamentais que devem fazer parte deste diploma. Assim, defendemos que devem ser critérios de valoração positiva, quando aplicável, os seguintes:
O contributo da operação para a substituição de importações;
O número de postos de trabalho a criar em termos líquidos;
O VAB da operação;
O aumento das qualificações dos trabalhadores da entidade beneficiária;
O contributo para o equilíbrio entre o número de trabalhores por sexo;
O contributo para o equilíbrio entre o número de trabalhores jovens e os mais velhos;
O contributo para a igualdade salarial entre mulheres e homens que desempenham as mesmas ou idênticas funções na empresa ou entidade, conforme determinado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 18/2014 de 7 de Março de 2014;
A realização de projectos em regiões enquadradas em NUTS III com o PIB inferior a 75% à média.
Relativamente ao nº 6 (pontuação mínima), deve também ser incluídos em sede de regulamentação específica os critérios de atribuição dos pontos.
Artigo 17.º – Projectos de grande dimensão
A questão mais relevante neste artigo tem a ver com a avaliação no n.º 2. Se o projecto for público, está sujeito a uma "especial avaliação de qualidade". Uma vez quer as entidades públicas quer as privadas podem apresentar projectos de grande dimensão, defendemos a avaliação de qualidade se deve aplicar a ambos.
Artigo 18.º – Projectos geradores de receita
Relativamente ao nº 1 a CGTP-IN defende que o cálculo do apoio público deve ser feito quando o projecto já está em execução, e não antecipadamente (como é proposto no projecto), para ter maior aderência à realidade.
Artigo 19.º – Decisão
Assinalamos a referência ao prazo de sessenta dias úteis para decisão previsto no nº 1, mas chamamos a atenção para a necessidade do seu cumprimento, devendo prever-se a penalização da autoridade de gestão caso contrário.
Artigo 23.º - Obrigações dos beneficiários
Sempre que os beneficiários sejam empresas, sejam elas de natureza pública ou privada, a CGTP-IN defende a consulta prévia às organizações representativas dos trabalhadores (delegados sindicais e/ou comissões de trabalhadores da empresa beneficiária) sobre os projectos a submeter, bem como um parecer anual sobre a execução do projecto e um no seu encerramento.
Relativamente ao nº1, alínea d), referente à publicitação dos apoios, propomos que se acrescente que a decisão de aprovação deve também ser comunicada às organizações representativas dos trabalhadores da entidade em causa.
Artigo 24.º - Pagamento e suspensão do pagamento
Há uma contradição entre o prazo de quarenta e cinco dias úteis fixado para a liquidação do pagamento (nº5) e a referência à disponibilidade orçamental, ficando a ideia de que poderá não ser efectivamente cumprido, tanto mais que não está prevista nenhuma penalização incumprimento do prazo, o que consideramos uma lacuna a preencher. No nosso entender, deve aplicar-se às entidades pagadoras o mesmo princípio a que estão sujeitos os beneficiários que incumpram na recuperação dos apoios, previsto no artigo 26.º, nº 7 (pagamento de juros de mora à taxa aplicável às dívidas fiscais ao Estado).
Artigo 25.º - Pagamentos no âmbito dos fundos da política de coesão
No nº 7, alínea c) é fixado um prazo de sessenta dias para decisão de pagamento do saldo final, mas não é fixado o prazo de efectivação do pagamento nem a obrigação de pagamento de juros de mora em caso de incumprimento. Defendemos que seja aplicado o mesmo regime previsto artigo 26.º, nº 7.
Artigo 27.º - Regras gerais em matéria de comunicação
Neste artigo deve prever-se a obrigação de informar as organizações representativas dos trabalhadores das entidades beneficiárias sobre os projectos aprovados.
No que concerne à lista de operações que a autoridade de gestão deve facultar ao portal do Portugal 2020 e que, na nossa opinião, devem ser de acesso público (números 3 e 4), propomos que, além dos que são mencionados no projecto (por PO, PDR e por fundo) seja incluída informação sobre o distrito, o número de beneficiários, se aplicável (aqui entendidos como formandos, postos de trabalho, por exemplo), tipo de empresa por dimensão e sector (CAE).
O formato de suporte, preferencialmente folha de cálculo, deverá permitir o tratamento rápido dos dados.
24 de Setembro de 2014
[1] Decreto-Lei 137/2014, de 12 de Setembro