Portugal detém uma posição geográfica privilegiada para desenvolver e beneficiar de actividades ligadas ao mar, posição essa que não tem sido aproveitada para dinamizar o sector das pescas, do transporte marítimo, dos portos e da construção e reparação navais, verificando-se, pelo contrário, um retrocesso em todos estes sectores nos últimos anos. Várias décadas em que sucessivos Governos promoveram a destruição do sector das pescas, das indústrias ligadas às pescas (nomeadamente a indústria conserveira) e o definhamento da indústria naval, com a consequente diminuição do emprego.
Desde meados dos anos 80 do século passado, após a adesão à União Europeia, que se assiste em Portugal ao definhamento do sector piscatório, com a diminuição drástica do número de embarcações, a redução dos trabalhadores do sector e o aumento da dependência externa. O período entre o início do século e a actualidade é marcado pelo aprofundamento desta realidade, em grande parte devido ao desinvestimento no sector.
Assim, verifica-se que entre 1999 e 2011 o número de embarcações diminui em mais de 50%, que o pescado capturado diminuiu mais de 10% nos últimos quatro anos, tendo-se ainda assistido a uma enorme queda do número de empresas a operar no sector.
Entretanto, diminuiu o grau de auto-aprovisionamento e aumentou o grau de dependência externa em produtos piscatórios, com efeitos directos no saldo da balança comercial do sector, que em 2010 já apresentava um défice de 740 milhões de euros. Se em 1990 o grau de auto-aprovisionamento de pescado era de 79%, em 2008 era de apenas 43% e em 2010 de 38%, sendo tudo o resto importado.
Ainda que alguns dos problemas referidos atrás possam sair fora do âmbito deste programa operacional (PO), nomeadamente o transporte marítimo, os portos e a construção e reparação navais – não encontrando também tratamento adequado noutros programas operacionais –, a CGTP-IN considera que o PO MAR 2020 não responde aos problemas dos sectores ligados ao mar, nomeadamente no que diz respeito às pescas, à indústria transformadora e ao emprego.
Este PO é financiado pelo Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) num montante de cerca de 392,5 milhões de euros.
A versão em apreciação propõe como prioridades estratégicas nacionais as seguintes:
1 - Promover a competitividade com base na inovação e no conhecimento
2 - Assegurar a sustentabilidade económica, social e ambiental do sector da pesca e da aquicultura e contribuir para o bom estado ambiental do meio marinho e promover a Politica marítima integrada
3 – Contribuir para o desenvolvimento das zonas costeiras, aumentando o emprego e a coesão territorial, bem como a capacitação e qualificação dos profissionais do sector
A CGTP-IN propõe um ajustamento destas prioridades no sentido de se incluir também a modernização da frota pesqueira, a salvaguarda das comunidades piscatórias e o emprego com direitos. Assim, propomos que a redacção seja alterada para:
(i) Promover a competitividade com base na modernização, na inovação e no conhecimento
(ii) Assegurar a sustentabilidade económica, social e ambiental do sector da pesca e da aquicultura, contribuir para a salvaguarda das comunidades piscatórias, o bom estado ambiental do meio marinho e promover a Politica marítima integrada
(iii) Contribuir para o desenvolvimento das zonas costeiras, aumentando o emprego com direitos e a coesão territorial, bem como a capacitação e qualificação dos profissionais do sector
O documento contém uma análise aos pontos fortes, pontos fracos, ameaças e oportunidades. Salientamos alguns pontos que não encontram depois resposta adequada ou suficiente em termos linhas e acções a financiar no contexto deste PO:
§ Elevada idade média da frota e deficientes condições de operacionalidade de um número elevado de embarcações, em particular na pequena pesca
§ Espaço para a modernização da frota pesqueira
§ Profissionais de idade média elevada e desinteresse das camadas jovens em ingressar na actividade
§ Falta de atractividade do sector para os jovens e dificuldade de recrutamento de mão-de-obra
§ Aumento dos custos de exploração, em particular dos combustíveis/energia
§ Reduzida intervenção do sector da captura na formação de preço dentro da cadeia de valor dos produtos da pesca
§ Grande dependência de importação de pescado, sobretudo na forma de matéria-prima para a indústria transformadora
Conforme é dito no documento, 90% das embarcações em Portugal desenvolve a sua actividade na pequena pesca costeira. No entanto, os montantes previstos para a modernização da frota são reduzidos. Apenas 10 milhões de euros para investimento a bordo e substituição de motores, a que se pode eventualmente juntar parte dos 10 milhões de euros para a inovação, num total de 392,5 milhões de euros do PO. A continuidade da actividade da pesca depende da modernização da frota pelo que defendemos maior financiamento nesta área.
No nosso entender, há poucas medidas concretas na área da produção/captura, o que contrasta com a atenção dada à aquicultura. Na aquicultura, apesar dos investimentos efectuados nos últimos anos, a quantidade produzida manteve-se. Na opinião da CGTP-IN, a aquicultura tem o seu espaço e potencialidades, mas deve ser uma actividade complementar e não concorrencial ou substitutiva da pesca. No entanto, neste PO, pelo menos 49 milhões são dirigidos a esta actividade, o que contrasta com as actividades da pesca, nomeadamente quanto à modernização referida antes.
Um dos problemas do sector das pescas, é a insuficiente valorização do pescado que, conjugado com o elevado custo dos factores de produção, designadamente dos combustíveis, afecta directamente o nível dos salários dos trabalhadores, uma vez que estes são determinados em percentagem do valor obtido na primeira venda do pescado diminuído de alguns custos, de entre estes últimos relevando o custo dos combustíveis.
Será este facto, associado à perigosidade e penosidade da actividade de captura do pescado que explicarão, as assinaladas falta de atractividade do sector para os jovens e dificuldades de recrutamento de mão-de-obra, assim como, a da manutenção no sector de profissionais de idade média elevada que se junta ao desinteresse das camadas jovens em ingressar na actividade.
E este facto, o dos baixos preços pagos à produção e o dos elevados custos dos factores, designadamente dos combustíveis, contrasta com o elevado preço do pescado, mesmo que não sujeito a qualquer transformação, quando se apresenta no consumo. A maior parte do valor produzido no sector é apropriada pelos intermediários. Este problema, tendo importantes implicações no rendimento dos proprietários e dos trabalhadores, requer urgente resolução. Contudo o PO apenas aponta a diversificação do rendimento e acordos entre produtores, quando se deveriam tomar medidas para que o valor do pescado recompense quem o produz.
Outra área em que é necessário intervir e investir é nas condições de segurança e trabalho. Na análise SWOT admite-se que há pouca atractividade do sector mas não se referem as razões, nomeadamente a já referida perigosidade, os elevadíssimos horários de trabalho, que podem atingir as 18 horas diárias, a precariedade do emprego e, tendo em conta as condições em que se exerce a actividade, os relativamente baixos salários. No PO inclui-se financiamento para a saúde e segurança a bordo mas não se refere o aumento dos salários, a garantia de direitos iguais aos dos outros trabalhadores, áreas fundamentais para manter e atrair trabalhadores.
O PO refere a insuficiência de mão-de-obra qualificada na área das pescas como ponto fraco, o que apenas corresponde à realidade em termos das habilitações escolares, já que em termos de qualificação nas artes da pesca as competências são elevadas, pelo que a preocupação deveria ser como assegurar a transmissão dos saberes aos novos trabalhadores, designadamente os jovens.
No que diz respeito à investigação e ao conhecimento científico no domínio da pesca e do mar, consideramos ser urgente o aumento do investimento público na área, até porque, tomando como exemplo apenas a área da avaliação dos recursos, como se admite no próprio documento, só existirá informação suficiente relativamente a seis unidades populacionais, o que é manifestamente insuficiente, não cobrindo a multiplicidade de espécies importantes para Portugal. No entanto, em sede de PO apenas se destinam 5 milhões de euros a parcerias entre pescadores e cientistas, o que nos parece insuficiente, além de que nem sequer ser referido como e que entidade vai aplicar esses montantes. No nosso entender, devem ser entidades públicas a fazê-lo, mesmo que tendo em conta os agentes económicos do sector.
Uma das ameaças ao sector das pescas referidas no documento é o impacto da poluição das águas nos ecossistemas, incluindo o lixo marinho e as artes de pesca perdidas ou abandonadas. Não obstante ter que se tratar este problema, não podemos deixar de chamar a atenção para o facto de não ser a actividade da pesca a responsável pela maioria da poluição com repercussões no meio marinho. A maior parte da poluição é feita em terra, pelo que parte da solução para este problema passa por um melhor ordenamento da costa, da identificação e eliminação das fontes de poluição. Por outro lado, outros causadores de poluição no mar não são sequer nomeados no documento, como por exemplo, o transporte de crude responsável por várias tragédias ambientais.
Assim, é nosso entender que o PO MAR 2020 deveria prever o reforço de meios e verbas que visassem:
§ A modernização das embarcações, designadamente tendo em vista a melhoria da segurança, a melhoria da eficiência energética e a melhoria das condições de habitabilidade e de trabalho nas mesmas;
§ A melhoria das condições de portos, varadouros, portinhos e pontos de venda, tendo em especial atenção as situações de assoreamento de barras e portos;
§ A valorização do preço do pescado pago à produção;
§ A economia do custo dos combustíveis;
§ A melhoria e reforço da investigação feita pelos Laboratórios do Estado;
§ A defesa ambiental do meio marinho, actuando sobre todas as fontes de poluição.
26 de Novembro de 2014
CGTP-IN