Com a pandemia em fundo, a comunicação social tem projectado os seus holofotes num tema que muito preocupa os reformados e idosos em geral – os lares.
Oxalá este justificado alarme social venha desencadear uma discussão séria e aprofundada sobre as múltiplas causas do drama a que assistimos, em que cerca de 39% das vítimas mortais da Covid-19, no nosso país, são de residentes nestas estruturas.
Portugal é um país com uma população de muito elevada ida-de média, por boas e más razões, sendo mesmo o terceiro país da UE com maior índice de envelhecimento, a seguir à Itália e Alemanha.
Na origem desta situação temos um salutar aumento da esperança de vida, mas por outro lado, registamos uma das menores taxas de natalidade da UE e elevada emigração, ambas determinadas por razões económicas, nomeadamente: baixos salários e precariedade.
O envelhecimento da população exige a disponibilização crescente de serviços sociais em quantidade e qualidade: lares, centros de dia, unidades de cuidados continuados, apoio domiciliário.
Mas ao invés das áreas da Saúde e da Educação, onde, sob o impulso da Revolução de Abril, foram criados um Serviço Nacional de Saúde e uma Escola Pública, ambos de natureza universal, solidária e tendencialmente gratuita, o mesmo não aconteceu com a prestação de cuidados à população idosa.
Com a prevalência de conceitos liberais ao longo das últimas décadas, pela mão de sucessivos governos, entregou-se esta área à iniciativa privada, seja de carácter social/associativo, seja de natureza lucrativa.
O conceito de “negócio” entrou despudoradamente neste domínio, demasiadamente importante para ser deixado à lógica do mercado. A este propósito, é revelador o título do Jornal de Negócios que a 14-06-2019 destacava: “Negócio dos lares para idosos já vale mais de 300 milhões”.
Não negando a valia de muitas instituições que operam nes-te ramo, mas que deveriam ser efectivamente reguladas, competiria ao Estado um papel decisivo no planeamento e criação de uma efectiva Rede Pública da sua directa responsabilidade e gestão, para o desempenho da nobre função de cuidar dos idosos, aqueles a quem os muitos anos de trabalho e de vida empurraram para uma situação de fragilidade e dependência, e que com escassas pensões não podem suportar os elevados encargos de lares com um mínimo de qualidade.
A ocorrência da pandemia veio pôr a nu a fragilidade de todo este periclitante sistema de apoio social. À comprovada vulnerabilidade dos idosos face ao novo coronavírus, acresce a impreparação de todo um sistema construído na base, ora de boas vontades, ora na ânsia de lucro.
Mas com notórias insuficiências no planeamento, na coordenação, na formação, nos salários praticados. A precariedade e os baixos salários conduzem ao pluriemprego e potenciam a importação do vírus para o interior destas estruturas. Acresce uma deficiente articulação entre Segurança Social e Saúde Pública como se tem visto nos casos de surtos recentes em que todos acusam todos de incompetência e má gestão.Não, esta fase das nossas vidas, em que somos potenciais utilizadores destes serviços, não pode continuar a ser negligencia-da.
O Estado tem de assumir as suas responsabilidades. Sim, temos de lutar pela construção e desenvolvimento de uma verdadeira Rede Pública de lares e de serviços de apoio domiciliário que seja universal, solidária e que ponha termo às enormes desigualdades no acesso a estas respostas sociais que actual-mente dependem do rendimento de cada um e da região onde cada um vive.