No passado dia 14 de Julho, o governo apresentou, na Pampilhosa da Serra, uma nova versão do Programa de Valorização do Interior e a primeira revisão do Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território. Definiu ainda uma nova orientação estratégica para o ordenamento florestal.
Entretanto, em Junho o mesmo governo, pela voz do Sr. Ministro-adjunto, Dr. Pedro Sisa Vieira, anuncia que está em curso a revisão do Programa Nacional para a Coesão Territorial que, como se sabe, foi criado no âmbito da Unidade Missão para a Valorização do Interior e que, para além de novas medidas, sistematizou num só documento o conjunto de medidas que se encontravam dispersas por vários instrumentos e programas.
A CGTP-IN considera que este frenesim de anúncios e este emaranhado de siglas, que no fundamental reproduzem as medidas que constam de outros programas, só pode ter por objectivo possibilitar o anúncio reiterado das mesmas medidas, embora com formulações diferentes e assim passar a ideia que há sempre coisas novas e que o Interior está na agenda politico-mediática. No entanto esta actuação curvilínea do governo mostra também a ausência de uma visão estrutural e estruturada para a coesão territorial e o combate às assimetrias.
É que, embora o governo faça um balanço positivo da execução do PNCT, a CGTP-IN chama a atenção que o sentimento geral, recolhido no contacto com a realidade do dia-a-dia e na auscultação que fomos fazendo, é que os anunciados 74% de execução não se sentem nos territórios do interior do país e muito particularmente nas zonas mais despovoadas e deprimidas.
Por outro lado, a avaliação da concretização do PNCT não pode ser desligada da apreciação geral que fizemos aquando do seu lançamento, designadamente quanto ao seu carácter limitado, e à escassez de meios envolvidos e à falta de uma visão global do país e de uma estratégia de ordenamento do território integrada. Nesse sentido, o exercício de balanço de execução é também ele limitado.
Veja-se o caso da agricultura e floresta em que, pela enésima vez o governo anuncia medidas e agora o volta a fazer. No entanto, as medidas antes anunciadas, quase sempre influenciadas pelos dramáticos incêndios de 2017, estão longe de chegar atempada e suficientemente aos agricultores e produtores florestais e deixam de fora todos aqueles que, tendo visto destruídos os seus bens agrícolas e florestais, não se encontravam registados com abertura de actividade e são muitos os que se encontram nesta situação.
Neste quadro, o Governo anunciou 62 medidas a integrar no Programa de Valorização do Interior, sendo que a sua maioria está ainda por especificar (por certo cada uma delas ainda vai dar mais uma série de noticias propagandísticas).
A CGTP-IN chama a atenção que um dos problemas centrais e estruturais que contribui para o despovoamento do Interior é o baixo rendimento das populações e em particular dos trabalhadores (os salários no interior, embora com variações de território para território, estão abaixo da média nacional, o mesmo acontecendo com o rendimento per-capita) e lamentavelmente em nenhuma das medidas anunciadas o governo responde a esta questão que é central para garantir a fixação e atracção de pessoas para o interior.
Com efeito, quase todas as medidas anunciadas destinam-se às empresas, à actividade económica e, claro, aos empresários. Em contrapartida o governo esquece deliberadamente os trabalhadores que são essenciais e insubstituíveis para a criação da riqueza. Exemplo flagrante do que dizemos é o anúncio da redução das portagens apenas para os veículos de transporte de mercadorias, deixando de fora desta medida as populações e os trabalhadores do Interior do país.
Não estando em causa a redução agora anunciada (até porque ela é resultado da pressão que temos feito) ao deixar de fora as populações e os trabalhadores, o governo minoritário do PS mostra bem a sua natureza de classe, como aliás o demonstra com as alterações que pretende introduzir no Código do Trabalho para manter a precariedade e o bloqueio da negociação colectiva e assim manter os baixos salários e o atropelo aos direitos de quem trabalha.
A CGTP-IN torna muito claro que as medidas do governo para estimular a criação de emprego tenderão a falhar, porque estão exclusivamente centradas numa visão de que a actividade económica são só as empresas e os seus detentores. Tenha-se em conta que com a precariedade, com os baixos salários e com os altos custos das portagens até podia haver oferta de emprego e não haver trabalhadores disponíveis para o aceitar e este é o verdadeiro problema que é preciso resolver. Aliás, seria muito útil que o governo desse a conhecer quantos postos de trabalho foram criados por via do Contrato Emprego e pela Medida extraordinária de qualificação de activos empregados e já agora em que actividades, com que habilitações, o tipo de contrato associado e a média salarial por nível de habilitação. Talvez assim ficássemos todos mais elucidados sobre o real impacto destas medidas na criação real de empego.
A CGTP-IN considera que para fixar e atrair trabalhadores para o Interior é essencial defender o emprego público existente e valorizar os trabalhadores, respeitando-os nos seus direitos, nomeadamente o princípio da actualização anual dos salários, a contagem do tempo de serviço e melhorando as condições de trabalho em geral. Por outro lado, não pondo em causa que se estabeleçam incentivos para a mobilidade geográfica de trabalhadores da Administração Pública, é inadmissível que não se reconheça o trabalho dos que já se encontram nessas zonas carenciadas a assegurar o serviço público às populações sem qualquer incentivo ou medida de reconhecimento.
A CGTP-IN sempre defendeu e reafirma que qualquer política de Coesão Territorial e de Combate às Assimetrias implica uma política de atracção de investimento público e privado para o Interior e o reforço dos serviços públicos por todo o território. Esta política implica, desde logo, a necessidade de concretizar a regionalização tal como consagrado na Constituição da República.
A CGTP-IN mais uma vez reafirma que é necessária uma estratégia integrada de desenvolvimento do país, que tenha como objectivo a coesão económica e territorial, bem como o progresso social e que contemple medidas específicas para as regiões mais deprimidas. É sobre essa visão integral do território que o investimento público, seja ou não suportado por fundos estruturais, deve ser realizado.
No entender da CGTP-IN, é fundamental defender e melhorar as indústrias em actividade e implementar um plano de reindustrialização do país que abranja todo o território nacional, tendo em conta as potencialidades regionais e a dinamização de novas actividades, realizando os investimentos que se afigurem necessários.
A CGTP-IN assume as suas responsabilidades, através de uma atitude reivindicativa e proponente. Foi isso que fizemos na última reunião do Conselho Consultivo da UMVI -Unidade Missão para a Valorização do Interior, em que apresentámos 40 novas medidas propostas pela CGTP-IN para Combater as Assimetrias e Desenvolver o Interior, que a seguir se enumeram:
1. Concretizar a regionalização do país tal como consagrado na Constituição da República;
2. Repor as freguesias tal como existam antes da chamada Reorganização Administrativa do Território das Freguesias;
3. Proceder a uma revisão do PNCT, centrando-o no investimento produtivo e no emprego seguro e com direitos, qualificado e bem remunerado, o que implica discutir e implementar um plano estratégico de desenvolvimento, revitalização e modernização do sector produtivo numa lógica transversal ao país, com pólos regionais que aproveitem as potencialidades e recursos locais; dar prioridade à agricultura, às pescas, à indústria e aos serviços, não esquecendo os sectores de ponta e com potencial de crescimento, mas também à diversificação das actividades produtivas para acabar com a dependência a uma só actividade, existente em vários concelhos, e a organização de apoios e estruturas destinadas ao escoamento e distribuição dos produtos;
4. Canalizar para o interior investimentos públicos e privados direccionados para a dinamização da produção nacional e a criação de emprego de qualidade, priorizando o apoio ao investimento em empresas orientadas para a produção local/regional no sentido de contrariar a desertificação, evitar os elevados custos de transporte e diminuir os impactos ambientais;
5. Redireccionar os fundos do Portugal 2020 para o apoio ao desenvolvimento da produção de bens e serviços transaccionáveis para substituir importações e aumentar as exportações e no Portugal 2030, consignar um plano específico, com dotação financeira própria e substantiva, dirigido ao interior do país;
6. Intervir para alterar a situação de baixos salários e de baixo rendimento em muitos concelhos do interior, onde se situam várias das regiões mais pobres da UE, com salários e o poder de compra per capita também muito abaixo da média nacional, o que implica: i) qualificar os trabalhadores do interior e atrair trabalhadores qualificados; ii) criar incentivos salariais e outros para fixação dos trabalhadores no interior, incluindo os mais qualificados com objectivo de estancar as saídas e atrair trabalhadores de outras regiões. Canalizar investimento público ou privado para a criação de emprego com baixos salários, conduzirá ao não preenchimento de todos os postos de trabalho, situação que já verifica actualmente;
7. Abolir as portagens nas auto-estradas do interior para todos (empresas e população em geral);
8. Valorizar o sector agrícola para garantir a soberania alimentar, aproveitando os recursos nacionais; substituindo bens alimentares importados por produção interna; modernizando as explorações agrícolas; articulando com as indústrias agro-alimentares; regulamentando as regras de comercialização para impedir que as grandes cadeias de distribuição esmaguem os preços à produção, pondo em causa a existência de muitas explorações; preservando o ambiente;
9. Reformar a política florestal, assegurando o necessário investimento público e que a partir dele e com ele se mobilize o investimento privado. Implica apoio aos proprietários florestais, designadamente os mais pequenos, e aos baldios e não às empresas de celulose para a promoção do aumento da produtividade do eucalipto;
10. Reforçar os meios humanos e materiais das estruturas do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural para a intervenção nas florestas, sendo também necessário reverter a fusão do Instituto de Conservação da Natureza com a Direcção-Geral das Florestas;
11. Definir um preço justo à produção da matéria lenhosa e combate às práticas comerciais agressivas e importações sem controlo e assim defender o interesse dos proprietários e a gestão activa da floresta;
12. Manter a gestão da política florestal sob a responsabilidade da Administração Central, sem prejuízo do necessário envolvimento e participação das autarquias;
13. Implementar de uma política que ponha fim aos incêndios, através do reforço do número de profissionais qualificados para o trabalho de ordenamento da floresta, do acompanhamento das medidas do Sistema de Defesa das Florestas contra Incêndios, da coordenação da intervenção das equipas de Sapadores Florestais, do aconselhamento dos produtores sobre as melhores práticas e espécies, do apoio aos Baldios, da atenção directa e reforçada às Matas Nacionais e às Áreas Protegidas;
14. Apoiar as autarquias e empresas no âmbito do ambiente, para que em articulação se construam os equipamentos necessários à despoluição nas ribeiras, rios e outros cursos de água, bem como o tratamento de resíduos sólidos urbanos e industriais;
15. Implementar medidas de apoio à criação de emprego na área da floresta, agro-pastorícia, produção e instalação de energias renováveis, eficiência energética dos edifícios, distribuição de água e regadios, instalação de instrumentos de despoluição das empresas, gestão de resíduos, logística de distribuição dos produtos locais, entre outros ligados ao ambiente, clima e desenvolvimento regional;
16. Adoptar uma política de reforço do investimento público, nomeadamente em infraestruturas e serviços públicos, que garanta ao mesmo tempo a canalização de fundos estruturais e outros para as regiões mais desfavorecidas;
17. Apostar na criação de emprego estável, seguro e com direitos, assim como na preservação do emprego existente, incluindo o emprego público, e na melhoria da sua qualidade, combatendo a precariedade, para tal reforçando a ACT a nível regional;
18. Dar resposta aos problemas da mobilidade transfronteiriça de trabalhadores, nomeadamente ao nível das condições de trabalho (direitos laborais e sociais), de transporte e de habitabilidade;
19. Reverter os mega-agrupamentos e garantir que a distância entre a escola e as localidades do interior não constitui uma barreira ao livre acesso à educação, criando alternativas de oferta de transporte que respondam a essa necessidade, de forma a não se forçarem as crianças desses locais a viagens e estadias prolongadas;
20. Desenvolver uma rede de ensino público técnico-profissional que esteja conectada com as estratégias específicas de desenvolvimento local, tendo em conta as potencialidades económicas, culturais e naturais de cada região;
21. Proceder à monitorização constante de necessidades de formação contínua e inicial de forma a alinhar a oferta formativa com as estratégias de desenvolvimento local e tendo com conta as especificidades próprias de cada região;
22. Dotar as instituições do ensino superior existentes no interior dos meios necessários para reforço das suas capacidades. Garantir o acesso ao ensino superior público nocturno, de forma uniforme em todo o território nacional, investindo no equipamento e redimensionamento da rede actual de ensino superior, de forma a garantir um acesso igual às populações do interior;
23. Apoiar o investimento na área da investigação, alinhando este apoio com as estratégias de desenvolvimento local e com as potencialidades próprias de cada região;
24. Garantir o direito de acesso universal e gratuito à prestação de cuidados de saúde, cuja oferta funcione de forma eficaz em todo o território. Suprimir as taxas moderadoras, cujo valor é agravado, no caso das populações do interior, pelas deslocações que têm de efectuar para aceder à rede de cuidados de saúde;
25. Investir numa rede hospitalar equilibrada e que cubra de forma eficaz e eficiente todo o território nacional não discriminando as populações do interior, o que passa por dotar o Serviço Nacional de Saúde dos meios financeiros necessários ao seu reforço e eficácia, alterando o actual sistema de financiamento da unidades de saúde, já que as actuais regras são penalizadoras para o interior, mantendo e melhorando a qualidade das valências e especialidades nos hospitais (revogando consequentemente a legislação que determina a desclassificação dos hospitais do interior), combatendo o encerramento de unidades de saúde e/ou serviços, rejeitando a reprivatização de hospitais públicos e a sua entrega às Misericórdias, anulando novas parcerias público-privadas e revertendo as já existentes;
26. Reforçar o cluster da saúde no interior na tripla vertente da formação, investigação e prestação de cuidados médicos especializados;
27. Investir na habitação e reabilitação urbana, a partir de planos elaborados em coordenação entre o Estado, as autarquias e as populações que recupere as habitações degradadas, as cidades, vilas e aldeias, que repovoe os centros históricos e supra carências de habitação, contribuindo para melhoria das acessibilidades e condições de vida no espaço urbano;
28. Apoiar o acesso à habitação por parte de famílias com dificuldades económicas, promovendo um regime de arrendamento urbano que tenha como objectivo a plena concretização do direito constitucional à habitação;
29. Elaborar um plano nacional de transportes, que tenha em conta o acesso das populações ao transporte público em todas as regiões do país e que articule numa lógica de complementaridade todos os modos de transporte;
30. Assegurar a rede de transportes públicos nos centros urbanos, o reforço da cobertura de rede para as zonas suburbanas, aumento da frequência das carreiras de acordo com as necessidades da população, redução dos custos de transportes, nomeadamente passes sociais;
31. Reforçar a rede ferroviária, através da conclusão de troços já iniciados, do investimento na modernização e electrificação de linhas ferroviárias, na reabilitação de troços e em novas linhas, quer para transporte de passageiros, quer de mercadorias, com garantia de gestão e exploração públicas assegurando horários e frequências compatíveis com uma utilização diária e a ligação entre várias localidades por elas atravessadas;
32. Dotar o interior das infraestruturas viárias necessárias ao crescimento da sua capacidade económica e à melhoria da qualidade de vida da população, com a necessária e indispensável abolição das portagens;
33. Requalificar as estradas municipais, intermunicipais e nacionais;
34. Aproveitar e potenciar as infraestruturas de transportes já existentes (nomeadamente aeroportuárias);
35. Estender a cobertura de fibra óptica, ou tecnologia similar, em todo o território, permitindo, desta forma, encontrarem-se alternativas de comunicação a distância que compensem a interioridade de determinadas localidades;
36. Estender a cobertura das redes 4G de forma uniforme em todo o território, garantindo mobilidade e facilidade no acesso às comunicações, mesmo em locais muito isolados;
37. Reabrir os postos de correios encerrados, bem como o reforço das suas valências, de forma a cobrir todo o território e a garantir às populações das localidades mais interiores um acesso pleno às redes postais;
38. Garantir a existência de serviços públicos de comunicação social que acompanhem a situação das regiões, reabrindo serviços encerrados como no caso da RTP e Lusa;
39. Lançar um plano de apoio à intervenção do movimento associativo que contribua para o envelhecimento activo, direccionado para a cultura, o desporto, o lazer e o associativismo;
40. Intervir sobre cada um dos territórios que integram o interior do país. Não sendo o interior um território homogéneo, já que existem grandes diferenças entre os centros urbanos e os territórios/concelhos rurais - principais vítimas do abandono e do despovoamento - deve ser dado particular atenção a estes últimos. A par das propostas gerais para o combate às assimetrias, propomos que o PNCT contenha medidas específicas para cada um dos territórios que integram o interior, devendo a UMVI elaborar essas medidas a partir de um processo de construção que envolva as várias entidades, instituições e organizações que ali intervêm, designadamente os sindicatos.
EMP/CGTP-IN
23/07/2018