A publicação do texto do Acordo Económico e Comercial Global UE-Canadá (CETA na sua sigla inglesa) coloca a nu as razões de fundo que levaram ao secretismo das negociações, revelando a criação de uma zona económica de cariz supranacional cuja regulamentação visa impor os interesses do grande capital transnacional à custa dos mais básicos direitos laborais e sociais dos trabalhadores e dos povos, do aumento da exploração e do empobrecimento.
Negociando nas costas dos trabalhadores, dos povos e das suas organizações representativas, nomeadamente dos sindicatos, a UE e os interesses que representa procuram agora impor o CETA como um facto consumado, uma fuga em frente para camuflar o processo e o conteúdo deste acordo. Um intuito que fica ainda mais claro com o anúncio pela Comissão Europeia e o reconhecimento pelo governo português da sua possível entrada em vigor de “forma provisória” até que esteja concluído o processo de ratificação por cada Estado-membro da UE – processo que a CGTP-IN desde já rejeita – subvertendo o regime democrático, a Constituição da República Portuguesa e a soberania e independência nacionais que ela defende e garante.
A CGTP-IN denuncia e rejeita a “redução ou eliminação dos obstáculos ao comércio e ao investimento”, as quais institucionalizam um regime jurídico especial para o poder económico, enquanto as questões dos trabalhadores são tratadas de forma vaga e sem qualquer força de obrigação das partes. A CGTP-IN considera que este tipo de acordos não servem os trabalhadores portugueses. O CETA é uma opção de classe que apenas favorece as multinacionais e transnacionais num quadro em que se pretende impor o regresso ao passado nas relações laborais.
Com a entrada em vigor do CETA haveria ainda mais precariedade e relações laborais sem direitos. Ao omitir o direito de sindicalização, a liberdade sindical, os contratos colectivos de trabalho, a organização do tempo de trabalho, a segurança da relação de trabalho ou o direito à Segurança Social, ou ao referi-los através das normas da OIT - que alguns Estados-Membros e o Canadá não ratificaram -, O CETA cria um precedente perigoso no que respeita à aplicação da legislação laboral e social e um claro retrocesso face aos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP).
O direito ao exercício de uma profissão, o direito a uma carreira profissional e ao seu reconhecimento são colocados em causa, deixando de ser legislado numa base nacional e sem garantia de salvaguarda dos direitos fundamentais. Invocando hipocritamente a “descriminação” no acesso à “prestação de serviços” e o “interesse económico”, deixariam de ser tidas em conta as especificidades formativas, os requisitos ou conteúdos mínimos de formação o que, colocaria em causa a salvaguarda de direitos fundamentais como a segurança, a saúde e a própria vida. Seria criado um Comité Misto supranacional para o efeito, procurando adaptar os sistemas educativos e a formação aos interesses imediatos das empresas, à concorrência entre elas e entre trabalhadores.
O CETA contempla um amplo conjunto de regras que vão muito para além da liberalização das trocas comerciais. Defende a prevalência do interesse privado sobre o interesse público e os direitos de quem trabalha, deixando o grande capital de mãos livres para poder proceder a reestruturações, deslocalizações e despedimentos.
O CETA estipula a liberalização dos contratos públicos, sem ter em conta a natureza dos contratos e o interesse nacional. Em alguns casos pode ter uma incidência gravosa sobre direitos, bens e serviços essenciais, nomeadamente no sector da água, dos resíduos, da saúde, da educação, ou da defesa. Desta forma, toda a actividade, pública ou privada (sem excepção), seria assim negociável, com o intuito último de gerar lucros e rendimentos.
Relativamente à legislação, o CETA estabelece o compromisso de se proceder à sua harmonização através da criação de comissões mistas sem mandato de base democrática, constitucional e/ou soberana, estruturas supranacionais cuja composição e mandato fariam prevalecer os interesses económicos transnacionais à defesa dos direitos dos trabalhadores, do povo e do país. É aliás repetido uma e outra vez que o interesse nacional se deve submeter aos interesses económicos e financeiros.
Qualquer apoio ou incentivo à actividade produtiva e/ou à criação de emprego – incluindo em sectores estratégicos de grande sensibilidade, como a agricultura e pescas - deveriam ser progressivamente eliminados, decisão que, num contexto de favorecimento das transnacionais, contribuiria para o desaparecimento de muitas pequenas e médias empresas, de pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar, com a consequente perda de emprego e riqueza, gerando mais empobrecimento e dependência.
A saúde pública, a segurança alimentar e o meio ambiente ficariam ainda mais ameaçados com o CETA. A defendida harmonização da legislação significaria a revisão de legislação mais avançada, nomeadamente aquela que institui o princípio da precaução e proíbe o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM), o uso de determinados produtos fito-farmacêuticos, ou de hormonas de crescimento na produção de carne, entre outras, deixando ainda mais distantes os objectivos essenciais da soberania e segurança alimentares. É também disso exemplo o caso do acesso e uso - uma vez mais irrestrito – dos recursos naturais de cada país, definindo a sua gestão e protecção a partir exclusivamente do lucro que poderão gerar.
Com este acordo seria promovida a concorrência fiscal entre Estados com o intuito de fazer baixar impostos para o grande capital. A retirada dos Estados da gestão e controlo sobre os sectores económicos estratégicos e dos serviços públicos promove a fraude e a evasão fiscais, bem como os paraísos fiscais, deixando os orçamentos nacionais pauperizados e sem recursos fundamentais para garantir as funções sociais dos Estados, a prestação e a qualidade dos serviços públicos - ainda mais quando até o financiamento dos serviços públicos poderia ser considerado como falseador da concorrência.
O CETA promove privatizações que procuram garantir ao grande capital que se trata de um processo quase irreversível. As empresas e serviços públicos devem, segundo o CETA, ser privatizados ou transformados em parcerias público-privado, não havendo restrições de qualquer natureza, nem sequer o mínimo compromisso em relação ao acesso universal, ao cumprimento de serviço público em sectores estratégicos como a energia, água e resíduos, ou na saúde, educação e transportes. O que é garantido, isso sim, é o aumento do preço, a diminuição da qualidade do serviço prestado, a eliminação de postos de trabalho e de direitos dos trabalhadores nestes sectores.
Para garantir que o CETA serve os interesses para os quais foi concebido, seriam criadas comissões para pressionar as instituições nacionais tendo em vista a alteração da sua legislação. Seriam ainda criados tribunais ad-hoc cujas deliberações visariam fazer prevalecer os lucros e rendimentos do grande capital sobre os tribunais, as leis e os sistemas de justiça nacionais, bem como sobre qualquer legislação ou regulamentação aprovada por instituições democráticas e soberanas que ponha em causa os seus interesses.
O CETA, assim como o denominado TTIP (acordo do mesmo tipo ainda em negociação entre os EUA e a UE), não são solução para os problemas com que estão confrontados os povos e países da UE, e em particular os de Portugal. Existem estudos – incluindo da própria Comissão Europeia – onde se afirma que estes acordos geram uma maior concentração do capital à custa da destruição de emprego, do aumento da exploração e do empobrecimento.
O CETA e as políticas que lhe estão associadas são inseparáveis do rumo da UE, dos seus tratados e orientações políticas, nomeadamente do tratado de Lisboa, que retirou o direito soberano de cada país de poder negociar os acordos comerciais mutuamente vantajosos, uma decisão que foi ao encontro dos interesses do grande capital e das grandes potências da UE.
O CETA está em contradição com o regime democrático e com a CRP que o estabelece e defende. Enquanto a CRP defende que todos os cidadãos são iguais perante a lei, o CETA abriria caminho à prevalência do interesse económico e dos investimentos sobre os direitos laborais, sociais e nacionais.
É cada vez mais necessária uma ruptura com estas políticas. Portugal necessita de criar emprego com direitos e aumentar os rendimentos e os direitos de quem trabalha e trabalhou. O país e os recursos que ele tem permitem assegurar estas linhas de desenvolvimento e de progresso social. Os trabalhadores, o povo e o país não necessitam de mais encerramentos, deslocalização de empresas e desemprego. O desenvolvimento do país com justiça social passa pelo aumento da produção nacional e a diminuição dos défices produtivos, o que exige uma outra política de esquerda e soberana que assegure o interesse dos trabalhadores e do país. Com mais privatizações de empresas e serviços públicos, menos produção e menos emprego, diminuiria a receita fiscal e as receitas do Estado, o que se reflectiria no aumento da dívida pública do país e da sua dependência externa.
A CGTP-IN alerta para os efeitos profundamente negativos que a entrada em vigor do CETA poderia trazer e reclama que o governo informe e esclareça sobre a natureza do acordo, o seu alcance e consequências. E exige que, em qualquer caso, o governo e os grupos parlamentares impeçam a sua entrada em vigor e não ratifiquem o acordo, quer na sua versão parcial, quer na sua versão integral. O CETA atenta contra o regime democrático e a Constituição da República Portuguesa, o desenvolvimento e o futuro do nosso país.
A CGTP-IN considera que qualquer acordo comercial deve ser mutuamente vantajoso e deve assentar nos pressupostos constitucionais, os quais, como este acordo torna uma vez mais evidente, apenas poderão ser garantidos através da recuperação para o país do direito soberano de negociar e estabelecer acordos comerciais que lhe foi retirado pelo tratado de Lisboa.