cadeira sstA enorme profusão de situações de trabalho à distância e, em particular, a partir do domicílio, em consequência da crise pandémica, fez levantar todo um leque de construções que, no entendimento dominante, foram apresentando o teletrabalho não como uma forma de organização flexível do trabalho, com as consequências que daí advêm, mas como uma vantagem para os trabalhadores, independentemente das condições que possam reunir para o efeito.

Na opinião da CGTP-IN, urge desmontar esta percepção.

O teletrabalho, como forma de organização flexível do trabalho – flexibilidade espacial –, a adicionar à já conhecida flexibilidade funcional, temporal ou geográfica, traz consigo inevitáveis problemas – em particular na área da SST –, que devem ser resolvidos por quem explora, organiza e disciplina a actividade profissional do trabalhador – a entidade patronal.

Independentemente das vantagens que o teletrabalho possa, contextualmente, assumir – na sua forma de trabalho a partir do domicílio – todos os estudos indicam que, do ponto de vista da segurança e saúde no trabalho (SST), tal como sucede com o trabalho em espaço detido pela entidade patronal, também no trabalho a partir do domicílio existem problemas que afectam a saúde e segurança dos trabalhadores.

No trabalho do Eurofound, Living, Working and COVID-19 Data, publicado já depois de iniciada a pandemia, em 2020, existem alguns dados interessantes sobre esta matéria:

Quando questionados sobre o assunto, os trabalhadores inquiridos dos 27 países da União Europeia referem:

  • 25% sentem-se emocionalmente esgotados após um dia de trabalho, sendo que os que se encontram em trabalho a partir de casa sentem mais este problema do que os outros (26% e 23%, respectivamente);
  • O número de trabalhadores que referem estar sobrecarregados é maior nos que se encontram a trabalhar a partir de casa (28% dos que trabalham no local de trabalho tradicional ou outro; 35% dos que estão a trabalhar a partir de casa);
  • Portugal surge em 5.º lugar entre os países cujos trabalhadores ao domicílio reportam ter sido sujeitos a elevada carga de trabalho (37,5%), muito acima da média europeia (29,5%);
  • Portugal surge em 3.º lugar entre os países cujos trabalhadores referem sentir-se emocionalmente esgotados após o trabalho (31%), também acima da média comunitária (24%), com os trabalhadores a partir de casa a sentirem mais este problema (26%) do que os restantes (23%);
  • 15,5% dos trabalhadores a partir de casa referem sentir-se isolados, enquanto os restantes se situam nos 9%.

Estes dados, que eram recentes à data da publicação, não deixam de apontar direcções e não deixam de nos fazer questionar em que medida, um ano após o início da pandemia, a situação não se agravou.

Não será segredo para ninguém que o isolamento, a dificuldade de desligar do trabalho, o uso ininterrupto do computador sem socialização, a invasão do espaço íntimo do trabalhador, as dificuldades para conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar, a dificuldade na organização do espaço, na acomodação e na organização dos meios materiais adequados e a falta de socialização surgem como riscos profissionais aparentemente típicos no trabalho a partir de casa.

Desta forma, é já possível apontar duas áreas da SST que estarão em cheque, na medida em que sofrem o agravamento, aquando da organização em regime de teletrabalho:

  • A ergonomia;
  • A psicossociologia.

De tal forma que a OIT, no seu guia Teleworking During the COVID-19 Pandemic and Beyond, vem apontar os seguintes riscos profissionais:

  • O “tecnostress”, a “tecnodependência” ou o uso abusivo de tecnologia, que aumentam a fadiga, irritabilidade e a incapacidade para desligar do trabalho;
  • O aumento do consumo de álcool e outras drogas, nomeadamente as que estão viradas para o aumento da performance;
  • Comportamento sedentário prolongado, trabalhando durante longos períodos em posições estáticas, sem qualquer movimentação, aumentando o risco de lesão musculoesquelética, problemas visuais, obesidade e doenças cardíacas;
  • O uso de mobiliário desadequado, que provoca posturas incorrectas conduzindo a distúrbios musculoesqueléticos;
  • O isolamento prolongado, que pode levar ao surgimento de situações de depressão e burnout;
  • Internet lenta e computadores ultrapassados podem levar ao surgimento de stress, irritabilidade e aumento das situações de violência;
  • Situações de conflito entre o trabalho e a vida privada devido à dificuldade de estabelecer fronteiras entre o espaço – físico e temporal – do trabalho e o da vida pessoal do trabalhador.

Tais razões justificam uma intervenção adequada das entidades patronais que se coadune com esta forma de organização do trabalho, tal como sucede com o trabalho nocturno e com o trabalho por turnos. Penosidade e onerosidade diferentes ou acrescidas justificam medidas de SST adequadas à situação.

Desta forma, a CGTP-IN considera que, aquando da organização em regime de teletrabalho, as entidades patronais são obrigadas, pelo menos, a desenvolver as seguintes medidas:

  • Fornecer equipamentos de trabalho (secretárias, cadeiras e iluminação) adequados, excepto nas situações em que se comprove não ser necessário porque o trabalhador já detenha os meios adequados e tal não requeira, o que deve ser sempre objecto de verificação, com o devido respeito pela reserva de intimidade da vida privada do trabalhador;
  • Fornecer os meios tecnológicos adequados, sem sobrecarregar o trabalhador com a responsabilidade acrescida de zelar pela sua integridade, além do que é aceitável numa situação de trabalho tradicional em espaço detido pela entidade patronal;
  • Fornecer formação e informação sobre como organizar ergonómica e ambientalmente o espaço doméstico por forma a adequá-lo às prescrições de SST definidas na lei e nas convenções colectivas de trabalho;
  • Adequar os exames médicos à situação de teletrabalho, com primazia para exames psicossociais e musculoesqueléticos que avaliem, com periodicidade mais regular (seis em seis meses, pelo menos) o estado de saúde do trabalhador para a prestação de teletrabalho;
  • Compensar financeiramente o trabalhador pela maior onerosidade e danosidade do teletrabalho.

O teletrabalho continua a ser trabalho em que a entidade patronal continua a ser a responsável por garantir as condições adequadas à sua prestação. Qualquer vantagem contextual que o trabalhador possa ter não transforma o trabalho noutra coisa qualquer.

CGTP-IN