Em 2 de Abril de 1976, a Assembleia Constituinte – eleita em 25 de Abril de 1975, nas primeiras eleições gerais e livres realizadas no país – reunida em sessão plenária, afirmando «a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno», aprovou a Constituição da República Portuguesa, publicada de imediato pelo Presidente da República.
Esta Constituição, aprovada há 45 anos, pilar principal do regime democrático nascido do 25 de Abril, garante dos direitos e liberdades, repositório das conquistas e das aspirações do povo português, é simultaneamente uma magna carta de direitos e um modelo de transformação da sociedade.
Uma Constituição marcada por um carácter profundamente progressista e inovador, que dá enorme relevo aos direitos fundamentais dos trabalhadores e dos cidadãos e à divisão do poder, multiplica os princípios de igualdade efectiva, participação, intervenção e socialização, e consagra um dualismo entre direitos e liberdades fundamentais e direitos económicos, sociais e culturais, ligando-os indissoluvelmente e atribuindo-lhes o mesmo nível garantístico.
É, assim, uma Constituição que dá corpo e sentido aos princípios que enformam o Estado de direito democrático e as Funções Sociais que ao Estado incumbe, garantindo simultaneamente um amplo conjunto de direitos, liberdades e garantias tradicionais ou de 1ª geração, como sejam a igualdade entre os cidadãos, o direito à vida e à integridade moral e física, a proibição absoluta da tortura, maus tratos e penas cruéis, degradantes ou desumanas, as garantias do processo penal e o acesso à justiça, a liberdade de expressão e de informação, a proibição da censura e a liberdade de imprensa, o direito de reunião, de manifestação e de associação, e um vasto leque de direitos sociais, económicos e culturais, como o direito à segurança social, à saúde, à educação, à cultura, à habitação, ao ambiente e qualidade de vida, que ao Estado compete efectivar a fim de promover o bem estar e a qualidade de vida de todos os cidadãos.
Foi nesta base que erguemos o Serviço Nacional de Saúde, universal e gratuito, que construímos o sistema público de Segurança Social para proteger e apoiar todos os cidadãos sem distinção na falta ou diminuição de rendimentos e em todas as situações de carência, que democratizámos o ensino e abrimos a todos a Escola Pública, na busca permanente de proporcionar a igualdade de oportunidades, sendo estas talvez as mais importantes realizações do Portugal do século XX, só possíveis com a Revolução de Abril.
E foi também nesta Constituição que afirmámos que todos têm direito ao trabalho e consagrámos os direitos fundamentais dos trabalhadores e das suas organizações, nomeadamente a liberdade sindical, o direito de negociação colectiva, o direito de greve e o direito à segurança no trabalho, e ainda o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de modo a permitir a conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal, o direito ao limite máximo da jornada de trabalho e à fixação de limites à duração do trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias pagas, o direito à segurança e saúde no trabalho, o direito à assistência no desemprego e à justa reparação em caso de acidente de trabalho e o direito ao salário. Direitos duramente conquistados por muitas gerações de trabalhadores, que a Revolução de Abril permitiu consolidar e fortalecer.
No plano político, esta Constituição marca a ruptura com a concentração de poderes própria da ditadura, promovendo a separação e a interdependência dos órgãos de soberania. Adopta um sistema misto, parlamentar-presidencial, no qual a legitimidade do Parlamento e do Presidente democraticamente eleitos concorrem para efectivação da responsabilidade política dos Governos. A autonomia regional, a afirmação de um poder local forte e democrático e a independência do poder judicial são os restantes elementos da identidade do regime político democrático consagrado na Constituição.
No que respeita à organização económica, esta Constituição afirmou-se como profundamente progressista, procurando conciliar princípios diferentes. Ao mesmo tempo que garante as conquistas revolucionárias – garantia das nacionalizações efectuadas e proibição de privatizações e previsão da realização da reforma agrária com expropriação dos latifúndios – garante também a coexistência de três sectores de actividade e três tipos de iniciativa, pública, privada e cooperativa; garante a apropriação colectiva dos principais meios de produção e o exercício do poder democrático das classes trabalhadores, mas também a propriedade privada; e ao nível da regulação económica, procura conjugar os princípios do mercado e do plano. Embora actualmente muitos destes aspectos se encontrem atenuados e desvirtuados pelas sucessivas revisões constitucionais, a verdade é que o modelo constitucional de organização económica continua a guardar muitas das suas características originárias.
É inegável que a Constituição da República Portuguesa que temos hoje é muito diferente daquela que foi aprovada há 45 anos – as modificações acumuladas ao longo das sete revisões são profundas em vários domínios, desde os princípios fundamentais, à constituição económica, passando pela organização política e união europeia.
E no entanto não deixa de ser a mesma na sua essência.
As suas bases não mudaram – a sua base antropológica continua a ser o homem como pessoa, como cidadão e como trabalhador, com fundamento no princípio da dignidade humana; a concepção do Estado como estado de direito democrático e social não mudou e a sua arquitectura institucional é praticamente a mesma; a sua vocação construtiva de uma sociedade mais justa, através da realização da democracia económica, social e cultural perdura, da afirmação da soberania e independência nacionais como princípios inalienáveis, pugnando pela promoção da paz e da cooperação entre os povos do mundo.
Neste ano em que a normalidade democrática tem sido sucessivamente posta à prova, com a declaração de sucessivos estados de emergência, com a limitação de direitos constitucionais fundamentais, é mais do que nunca necessário respeitar e celebrar esta nossa Constituição da República Portuguesa como um imperativo para todos os trabalhadores e todos os cidadãos que continuam a lutar e a acreditar que é possível um outro caminho e uma outra política, que permita a todos viver e trabalhar com dignidade, numa sociedade mais justa, mais fraterna, de progresso e justiça social, sem exploradores nem explorados.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 01.04.2021