O momento que vivemos exige uma intervenção empenhada no combate à política que quer subjugar os direitos fundamentais à lógica de negócio e lucro, passando por cima das leis nacionais e das próprias convenções da OIT.
104ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, 1 – 13 Junho 2015
Intervenção de Arménio Carlos
Secretário-Geral da CGTP-IN
Sra. Presidente, Senhoras e Senhores Delegados,
Em nome das trabalhadoras e dos trabalhadores portugueses saúdo a centésima quarta Conferência da OIT, que ocorre num momento em que as contradições aumentam, as desigualdades acentuam-se, os compromissos para a concretização do trabalho digno esfumam-se com a bruma do tempo e o ataque aos direitos laborais e sociais caminha de mãos dadas com o retrocesso social e civilizacional.
Em Portugal, os trabalhadores e a generalidade da população continuam a sofrer as consequências da aplicação do programa do FMI, do BCE e da CE, a que, eufemísticamente, chamam de “ajuda” e que liquidou centenas de milhares de postos de trabalho, fez disparar o desemprego, deixando 2/3 dos desempregados sem protecção social, empurrou crianças, idosos e trabalhadores com e sem emprego para a pobreza e a exclusão e forçou a emigração massiva, nomeadamente da juventude. Uma politica que, ao insistir na privatização de empresas estratégicas, deixou o País mais pobre, endividado, periférico e refém dos grupos económicos e financeiros.
Assim, e num momento em que direitos individuais e colectivos dos trabalhadores são postos em causa, a pretexto da “ditadura dos mercados”, temos um Governo que, invocando escassez de recursos financeiros, rejeita apoiar os que menos têm e menos podem, ao mesmo tempo que disponibiliza milhares de milhões de euros para salvar bancos privados da bancarrota.
Por isso, é inadmissível que os mesmos que reconheceram publicamente, tal como o Presidente da Comissão Europeia, que a dignidade dos povos de Portugal, de Espanha, da Grécia e da Irlanda, havia sido posta em causa com as políticas da troika, sejam os que agora não só as defendem como, com o Tratado Orçamental e as chamadas “reformas estruturais”, pretendem prosseguir a desregulamentação da legislação laboral e dar continuidade à brutal transferência de rendimento dos trabalhadores a favor do capital, de que é exemplo o pagamento dos juros da dívida pública, cujo valor anual é superior ao destinado pelo Estado português ao Serviço Nacional de Saúde.
Uma transferência de rendimentos que se continua a exprimir na quebra da riqueza produzida que recai para o trabalho e que é acompanhada por uma brutal carga fiscal sobre os trabalhadores e os pensionistas, pela precariedade, a redução dos salários e a pressão para o aumento da jornada de trabalho.
É necessário dizer basta à política de regressão laboral e social!
É preciso travar a tendência das políticas em curso para enfraquecer e destruir a contratação colectiva, enquanto pilar mais importante do diálogo social.
A contratação colectiva é uma fonte de direitos, um instrumento de harmonização social no progresso e um elemento gerador da distribuição do rendimento. Pôr em causa a contratação colectiva, como faz o governo português e a troika para promover a caducidade das convenções colectivas, para além de atentar contra os princípios do direito de trabalho e os direitos mais elementares dos trabalhadores, constitui um ataque sem precedentes aos sindicatos, à liberdade sindical e à democracia.
Não há democracia sem contratação colectiva, nem liberdade de intervenção dos trabalhadores e dos sindicatos sem o pleno exercício do direito à greve. O direito de greve é um direito inalienável dos trabalhadores, razão pela qual não é interpretável ou negociável, nem susceptível de ser subordinado aos interesses económicos e financeiros do patronato. A greve é uma conquista civilizacional e um instrumento de defesa dos trabalhadores na afirmação dos seus direitos e da sua dignidade, razão pela qual ao invés de ser questionada, tem de ser respeitada, efectivada e valorizada por toda a sociedade.
Sra. Presidente, Sras. e Srs. Delegados,
O momento que vivemos exige uma intervenção empenhada no combate à política que quer subjugar os direitos fundamentais à lógica de negócio e lucro, passando por cima das leis nacionais e das próprias convenções da OIT.
É hora de acabar com a hipocrisia dos que falando no trabalho digno, a pretexto da competitividade a qualquer preço, continuam a reclamar mais flexibilidade das relações laborais para reduzir direitos e salários aos trabalhadores.
Tal facto exige que passemos da constatação à acção para garantir o trabalho digno como o concebemos e defendemos.
Este é um tempo que reclama uma forte mobilização de todos quanto lutam pelo pleno emprego, com segurança e estabilidade, com igualdade entre mulheres e homens, o direito a uma justa retribuição, a articulação do tempo de trabalho com a vida pessoal e familiar, enquanto elementos estruturantes para responder às necessidades e anseios dos trabalhadores, combater as desigualdades e assegurar a dinamização da economia, indispensável para a consolidação e melhoria do funcionamento dos serviços públicos, tais como a Segurança Social, o Serviço Nacional de Saúde e a Educação.
Um tempo de ruptura com a política de direita e, no quadro da preparação do centenário da OIT, um tempo de afirmação de que não há inevitabilidades, que o trabalho tem futuro e que o futuro tem de passar, necessariamente, pela valorização do trabalho, a dignificação dos trabalhadores, o progresso e a justiça social.
Genebra, 9 de Junho de 2015